A capital do Chaco é o epicentro de uma decisão judicial histórica que, ao proteger uma lagoa, reconhece os direitos da Natureza. É um reservatório de água do bairro Villa Altabe, assolado pelo extrativismo urbano. Vizinhos e grupos socioambientais se organizaram contra a especulação imobiliária no Pantanal dos rios Negro e Paraná. A decisão também revela conluio empresarial com poderes locais.

Foto: Vizinhos e Coletivos Ambientalistas de Laguna Francia.

Por Vizinhos e Grupos Ambientalistas de Laguna Francia.

Laguna Francia está localizada em Resistência (Chaco). Faz parte do sistema de 21 lagoas que ainda resistem aos ataques do extrativismo imobiliário nesta cidade localizada no vale das cheias dos rios Negro e Paraná. Anos atrás, havia 63 lacunas que compunham o sistema. A luta de moradores e grupos ambientalistas de Villa Altabe, um dos bairros que fica na área de influência da lagoa e sofre inundações devido à perda de áreas úmidas, conseguiu uma decisão histórica do Juízo Cível e Comercial nº. 21 de Resistência. A decisão reconhece Laguna Francia como “sujeito de direitos” diante da ameaça de um projeto imobiliário, com a cumplicidade do Município de Resistencia e da Administração Provincial de Águas (APA).

Cronologia da defesa da Laguna Francia

O Município de Resistencia decidiu em 2019 conceder licença de construção à empresa Patagonia SRL para desenvolver um projeto imobiliário na Laguna Francia. O alvará contou com o aval de outras instituições como a APA, que há anos negou a outro proprietário a viabilidade de construção naquela zona, aplicando a então vigente Resolução 1111/98, que estabelecia a cota da linha ribeirinha em 30 metros de o corpo de água. Esta regra impedia que as casas avançassem sobre o vale inundado.

Porém, a resolução anterior da APA foi modificada com uma nova resolução (333/17), que reduziu o nível da margem do rio para 15 metros, anulando o princípio da “não regressão ambiental” e possibilitando assim que a empresa construísse naquele local. Nesse mesmo 2019, data da assinatura do alvará de construção, os moradores de Villa Altabe interpuseram recurso de proteção no Juízo Cível e Comercial nº 21 de Resistencia, liderado pelo juiz Julián Flores, contra o projeto de construção apresentado no município. A obra ficou paralisada.

Foto: Vizinhos e Coletivos Ambientalistas de Laguna Francia.

Em fevereiro deste ano, o juiz convocou, por meio de edital nos jornais locais, a empresa, os vizinhos e o presidente da Comissão do Bairro de Villa Altabe, Marcelo Barrios Dambra. O objetivo foi analisar a viabilidade de uma proposta de “melhoria” da obra, que havia sido apresentada à nova gestão municipal. A empresa propôs modificar a construção de moradias para escritórios e construir um espaço verde, ainda que privado.

A audiência ocorreu na mesma propriedade da lagoa e foi assinado um documento entre a empresa e Dambra – que já foi questionado pelos vizinhos e atualmente tem mandato prorrogado – para dar andamento ao novo projeto apresentado pela empresa. Nesse dia compareceu o sindicato Uocra, convocado pela empresa Patagonia SRL, para apoiar o projeto.

De qualquer forma, o juiz Flores estabeleceu no acordo que o novo projeto deveria ser colocado em votação em nova audiência pública a ser realizada no imóvel. Isso gerou a mobilização de vizinhos e organizações, e um vaivém entre o Município de Resistencia e a empresa. A construtora, sabendo da falta de licença social, acabou desistindo da proposta. O que fez cair o acordo assinado em fevereiro.

Foto: Vizinhos e Coletivos Ambientalistas de Laguna Francia.

A decisão da empresa significou uma vitória para as reivindicações dos bairros, mas foi iniciada uma operação de intimidação contra os vizinhos e as organizações ambientalistas que defendiam Laguna Francia. Começaram a receber cartas documentais da empresa exigindo que comparecessem ao caso se retratando por terem assinado o acordo de fevereiro ou, caso contrário, teriam que pagar “indenização” por danos de 500 milhões de pesos.

Desta forma, os diretamente prejudicados foram ameaçados de recorrer à justiça por quantias milionárias para compensar um único promotor imobiliário, que não só ameaçava o património natural, mas também a qualidade de vida dos vizinhos. É importante destacar que sempre que chove pouco mais de 100 milímetros, os moradores de Villa Altabe ficam com água até os tornozelos.

Paralelamente, vizinhos apresentaram notas a diversos órgãos públicos e ao Tribunal de Falhas Ambientais de Resistência denunciando a construção do muro perimetral nos terrenos da empresa e a criação de ligações sanitárias e elétricas, quando a obra estava paralisada por estar aberta. arquivo judicial.

A decisão a favor da natureza como sujeito de direitos

A exposição pública do conflito, baseada no trabalho de divulgação de vizinhos e grupos ambientalistas, e graças a alguns meios de comunicação locais, permitiu dar visibilidade ao caso e expor a empresa e organizações cúmplices, como a APA. Com essas denúncias públicas em segundo plano, apresentações paralelas e documentação comprobatória do andamento dos trabalhos (notas, vídeos e imagens) foram apresentadas ao juiz Flores para solicitar a resolução do processo.

A decisão do chefe do Tribunal Cível e Comercial nº 21 de Resistência revelou-se uma decisão sem precedentes. Flores reconheceu a Laguna Francia como sujeito de direitos, definindo-a como uma área de alta sensibilidade ecológica afetada pelas atividades humanas, que comprometem sua capacidade de autorregulação hídrica e de diversidade biológica.

Foto: Vizinhos e Coletivos Ambientalistas de Laguna Francia.

A decisão de reconhecer esta massa de água como sujeito de direito não só permite a sua proteção contra o avanço do setor imobiliário, mas também exige medidas para reverter os danos causados. A decisão torna-se uma ferramenta significativa em matéria regulatória, que se soma à legislação vigente e aos tratados internacionais, como o Acordo de Escazú, para continuar a defender as zonas úmidas urbanas e, em particular, o vale inundável do Rio Negro.

A decisão também promove a criação de uma Autoridade de Gestão Integral das Lagoas de Resistência Urbana (Argilur), que deverá ser composta por vizinhos, grupos ambientalistas e universidades, para a gestão e preservação desses reservatórios de água. É necessário que a criação desta autoridade não seja contaminada pela burocracia estatal.

Laguna Francia não é um triunfo definitivo. A empresa recorreu da decisão, juntamente com o Município de Resistencia. Isto demonstra, mais uma vez, o conluio entre promotores imobiliários e diferentes administrações governamentais provinciais e municipais. É importante destacar que a decisão do Juiz é o resultado da luta de anos de vizinhos e grupos ambientalistas exigindo o seu território e o respeito pelas zonas húmidas.

Foto: Vizinhos e Coletivos Ambientalistas de Laguna Francia.

Fonte: https://agenciatierraviva.com.ar/laguna-francia-y-la-historia-de-un-fallo-con-la-naturaleza-como-sujeto-de-derecho/

Fonte: https://argentina.indymedia.org/2024/12/24/laguna-francia-y-un-fallo-historico-con-la-naturaleza-como-sujeto-de-derecho/

Deixe uma resposta