A decisão do tribunal terá grande peso enquanto o Senado do Brasil considera uma legislação para limitar novas reservas indígenas.
O Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu a favor dos direitos indígenas em um caso histórico que avaliou a constitucionalidade de estabelecer um limite de tempo para fazer reivindicações ao território ancestral.
Nove dos 11 juízes do tribunal votaram para derrubar o que é chamado de argumento do “marco temporal” ou “prazo”, uma política legal apoiada por empresas e agricultores que buscam usar terras indígenas.
O “marco temporal” teria forçado os grupos indígenas a provar que estavam nas terras em questão em 1988, quando a atual constituição do Brasil foi ratificada, a fim de fazer valer o direito ao território.
Mas esse argumento enfrentou críticas generalizadas por parte dos povos indígenas, de organizações de direitos humanos e até de especialistas das Nações Unidas, que argumentaram que poderia “legalizar o roubo de terras indígenas”.
A decisão de quinta-feira da Suprema Corte foi anunciada como uma vitória para esses grupos, alguns dos quais recorreram às redes sociais para comemorar.
“Vitória importante após anos de luta!” o grupo de direitos humanos Survival International escreveu na plataforma X.
“Os povos indígenas do Brasil e seus aliados ao redor do mundo estão comemorando uma vitória histórica: o genocida e catastrófico truque do limite de tempo foi rejeitado pela Suprema Corte!”
A ativista Celia Xakriaba, membro do povo Xakriaba no Brasil, também expressou sua alegria com as consequências da decisão.
“Uma maioria formada e o ‘marco temporal’ enterrado!” Xakriaba escreveu. “Vitória dos povos indígenas!”
“Até Gilmar Mendes entendeu que precisamos garantir nossos direitos”, ela adicionadoreferindo-se a um juiz da Suprema Corte conhecido por polêmica.
Mendes já havia justificado uma data limite para reivindicações de terras indígenas como forma de evitar debates intermináveis sobre território. Mas acabou por votar com a maioria na decisão de quinta-feira.
A decisão do tribunal pesará fortemente sobre o futuro do Projeto de Lei 490 do Brasil, uma peça legislativa que visa limitar novas reservas indígenas, com o apoio do lobby agrícola.
Em 30 de maio, a câmara baixa do Congresso aprovou o projeto de lei por esmagadora maioria, por 283 votos a 155, provocando protestos, incluindo um bloqueio de rodovia.
O projeto agora enfrenta o Senado do Brasil, com votação esperada na próxima semana. A bancada agrícola no Congresso já criticou a decisão do Supremo Tribunal e anunciou que iria prosseguir com a aprovação do projeto de lei 490.
“Queremos segurança jurídica para os produtores rurais. O Supremo Tribunal Federal está fomentando a barbárie no campo, a total insegurança jurídica”, afirmou a bancada em comunicado.
O Brasil abriga 1,6 milhão de povos indígenas, de acordo com seu último censo, e as terras ancestrais constituem uma parte essencial de sua cultura e subsistência.
Mas, como a maioria do Supremo Tribunal explicou na sua decisão, muitos povos indígenas foram — e continuam a ser — violentamente deslocados do seu território por colonos e interesses comerciais.
O caso decorreu de um desses deslocamentos no estado de Santa Catarina. Expulsos pelos produtores de tabaco, os membros do povo Xokleng apelaram ao governo do estado por ajuda para recuperar as suas terras. O governo estadual os recusou, alegando que eles não existiam em 1988.
Fonte: www.aljazeera.com