O Governo de Buenos Aires quer realocar, sem consulta, os postos que estão na Vuelta de Rocha há décadas. O local escolhido é a Praça dos Bombeiros Voluntários onde moradores e entidades realizam diversas atividades. A decisão ocorre na mesma semana em que a gestão de Macri ordenou o despejo por decreto e que um catamarã começará a transportar turistas pelo Riachuelo.
Por Martina Noailles – Sur Capitalino. Cidade de Buenos Aires, 4 de agosto de 2024 –
Sem argumentos, de forma compulsiva e não consensual, a Câmara Municipal pretende transferir a feira de artesãos Vuelta de Rocha para a praça dos Bombeiros Voluntários, em Lamadrid e Garibaldi. As 115 pessoas que têm cargos habilitados de quinta a domingo estão em alerta e durante este fim de semana até permaneceram em vigília para defender os seus locais de trabalho. Os artesãos não querem ser realocados. Propõem que seu lugar seja em frente à Praça dos Suspiros e que a praça seja um espaço onde os meninos jogam futebol, ensaiam a murga e a trupe de candombe, e muitas outras atividades do bairro são realizadas. Além disso, de acordo com os planos que os responsáveis lhes mostraram, os stands estariam localizados num labirinto de difícil circulação e num sector onde os turistas viajam menos. Portanto, temem que isso prejudique sua renda.
“Vemos claramente como o governo prioriza o interesse econômico dos empresários gastronômicos privados em detrimento da atividade feira e cultural”, denuncia Pablo Canobio, delegado dos artesãos há 25 anos. A análise não é caprichosa. A notícia da feira foi conhecida na mesma semana em que a direção de Jorge Macri ordenou por decreto o despejo de vinte famílias do edifício Pedro de Mendoza y Necochea. E um dia depois o chefe do governo inaugurou a poucos metros de distância uma estação de catamarãs turísticos que irá de Puerto Madero a La Boca pelo Riachuelo ao custo de 17 mil pesos para estrangeiros e 14 mil para argentinos. Nada é uma casualidade. O mercado turístico e imobiliário avança de mãos dadas com o Estado, esmagando tudo no seu caminho.
A história da ordem
Durante as últimas semanas, Canobio e os restantes delegados das feiras Vuelta de Rocha I e II reuniram-se quatro vezes com responsáveis da Câmara Municipal. No primeiro encontro foram informados sobre um projeto noturno em La Boca. Foi com a diretora de Licenças e Feiras Yoana Fiore e seu gerente operacional. “Eles nos mostraram um Power Point onde o tema era paralelepípedos, iluminação e sinalização. Lá apontamos que em nenhum desses casos a feira foi levada em consideração. A apresentação teve uma etapa 2 que dizia ‘transferência da feira de volta da Rocha para a beira-rio’. Dissemos a ele que era inviável. Desde 87 e 92 já temos uma portaria que regulamenta a atividade e um decreto que nos coloca diante da praça dos suspiros”, disse o delegado ao Sur Capitalino.
A segunda reunião contou com a presença do subsecretário de Urbanismo, Pedro Comín Villanueva, que propôs uma reorganização do espaço que incluía a relocalização de um setor da feira e a recuação da fileira de barracas do lado de Magalhães. “Nós concordamos, mas ali mesmo ele nos disse ‘não sei se isso será suficiente’.” No terceiro encontro, os artesãos apresentaram o plano com as modificações solicitadas. Na quarta vez foram ouvir o retorno, mas os funcionários chegaram com planos de transferi-los para a Praça dos Bombeiros.
“Mediram a praça dos bombeiros, carregaram os metros de cada posição multiplicados por 70 e o computador deu 7 opções de plantas que são um labirinto, sem sentido de circulação para operação. Por aqui passa quem vai para o Caminito e em direção ao campo, quem vem da beira do rio. Os passeios que descem na praça transportam turistas sequestrados pelas empresas que os retiram do ônibus, os levam até os comércios, os retiram e os colocam no ônibus com os minutos contados. “Eles não vão entrar nesse labirinto e isso será prejudicial à nossa atividade”.
Para os artesãos, a ideia de movê-los busca beneficiar os empresários gastronômicos que ocupam o espaço público com suas mesas, cadeiras e estrados. Ano após ano, avançam pelas ruas e calçadas. Não faz muito tempo, a cozinha de um dos restaurantes de Magalhães pegou fogo e os bombeiros não conseguiram entrar em todas aquelas estruturas.
“Eles começam a ‘ordenar’ o que é ordenado e o que é ilegal eles não tocam. Mantemos a Subsecretária Comin, a Diretora de Feiras Yoana Fiore, Valentín Díaz Gilligan, presidente da Entur, e José Palmiotti, empresário gastronômico com quem já tivemos problemas diversas vezes devido ao espaço em conflito, responsáveis pela tentativa de transferência”, Canobio concluiu.
Díaz Gilligan dirige o Órgão Municipal de Turismo e desde março também o Conselho Federal de Turismo. Há algum tempo foi diretor de empresas dedicadas à compra e venda de jogadores de futebol e em 2015 Mauricio Macri o nomeou subsecretário-geral da Presidência. O cargo durou até 2018, quando renunciou após a revelação do jornal espanhol El País de que tinha uma conta offshore de mais de US$ 1,2 milhão em Andorra.
José Palmiotti preside a UCR na Comuna 4 e é um líder intimamente ligado ao ex-presidente do Boca, Daniel Angelici. Proprietário do Bar La Perla, a poucos metros do Caminito, foi chefe da Ouvidoria do Turismo até que seu filho Carlos herdou o cargo em 2019.
Os artesãos decidiram resistir à transferência. Também analisam fazer uma apresentação judicial contra a medida não consultada do governo. A Lei 2.240 os reconhece como parte do centro produtivo de La Boca. A feira é oportunidade de trabalho para quase 140 famílias. Por isso apelam às organizações e moradores do bairro para defenderem o espaço de trabalho, arte e cultura: “Não ao despejo da feira. Chega de despejos em La Boca. A cultura não se vende, ela se defende.”
Fonte: https://www.surcapitalino.com.ar/seccion/espacio-publico/la-boca/artesanos-de-la-boca-resisten-el-traslado-de-la-feria
Fonte: https://argentina.indymedia.org/2024/08/05/artesanos-de-la-boca-resisten-el-traslado-de-la-feria/