Este artigo foi financiado pelo Rainforest Journalism Fund do Pulitzer Center.

Boa Vista, Brazil – Sob o escaldante sol amazônico do final da manhã, dezenas de pessoas começam a se aproximar de todos os cantos da mata, equipamentos agrícolas pendurados nos ombros.

Como manda a tradição, os moradores da comunidade Willimon, no território indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, no Brasil, estão se reunindo para ajudar outros agricultores a arar suas terras.

Apesar do céu azul e das altas temperaturas, é inverno, o que significa época de chuvas na Amazônia – então é tempo de plantar. Hoje, os homens e mulheres desta comunidade estão ajudando Telma Macuxi a limpar suas terras.

“Eu trabalho como agente de saúde indígena [for] comunidade de Willimon, mas são essas plantações que vão sustentar minha casa”, disse Macuxi à Al Jazeera. “Tenho uma família grande e o salário que recebo pelo meu trabalho é usado principalmente nas coisas que não produzimos: sal, açúcar, roupas.”

Abrangendo quase 1,75 milhões de hectares (4,3 milhões de acres), Raposa Serra do Sol está entre os maiores territórios indígenas do Brasil. Após décadas de conflito de terras, seus limites foram formalmente demarcados em 2005.

Ao longo do dia, vizinhos e amigos ajudam Macuxi e seu marido a preparar a roça. O casal oferece aos comunitários refeições quentes e caxiri, uma bebida tradicional feita de mandioca fermentada.

A comida produzida aqui não só alimentará a família Macuxi, mas também sustentará toda a comunidade: “Contribuímos para eventos e comemorações, e também dividimos as colheitas com outras famílias que podem não ter tanto”, disse ela.

Telma Macuxi e o marido posam em frente ao seu campo na comunidade Willimon [Amanda Magnani/Al Jazeera]

planos coletivos

Essa postura não é exclusiva das comunidades da Raposa Serra do Sol.

A economia indígena em toda a Amazônia brasileira é definida por conceitos de justiça e compartilhamento, reconhecendo os vários papéis sociais desempenhados pelos membros da comunidade e a interconexão dos territórios locais e da biodiversidade.

Como as áreas menos desmatadas da Amazônia, as terras indígenas são cruciais para manter o aquecimento global abaixo do limite crítico de 1,5°C.

De acordo com um estudo acadêmico recente, os territórios indígenas e as áreas protegidas representaram apenas 5% da perda líquida de florestas na Amazônia brasileira entre 2000 e 2021. Isso se deve em grande parte à devoção inerente dos povos indígenas à preservação do meio ambiente para as gerações futuras.

Em Roraima, esse impulso se traduz em planos coletivos de longo prazo, em que cada comunidade identifica zonas sagradas e áreas de produção.

“Nosso objetivo é gerir nossos territórios e seus recursos naturais de acordo com nosso conhecimento tradicional”, disse Sineia do Vale, coordenadora nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas do Brasil, à Al Jazeera.

Mais recentemente, disse ela, a justiça climática tornou-se central nesse processo: “Não acreditamos que a justiça climática possa ser abordada desvinculada da gestão de nossos territórios, pois ela perpassa questões sociais e culturais, incluindo alternativas de geração de renda que respeitem nossas jeitos de viver.”

Embora tal visão possa parecer absurda em um mundo capitalista, um estudo recente (PDF) do World Resources Institute Brasil sugere o contrário, indicando que uma economia derivada da experiência indígena não é apenas viável, mas lucrativa.

Pesquisadores descobriram que a adoção de modelos bioeconômicos baseados na replicação e expansão de arranjos já existentes em territórios indígenas poderia aumentar o produto interno bruto (PIB) da economia amazônica brasileira em R$ 40 bilhões (US$ 8,4 bilhões), criar 312.000 empregos e aumentar o estoque de carbono da floresta em 19 por cento.

Esse modelo também tornaria a região mais resiliente a crises econômicas.

“Sob o capitalismo financeiro, os grupos vulneráveis ​​muitas vezes sofrem os efeitos de variáveis ​​econômicas abstratas, que muitas vezes escapam à sua compreensão”, disse Wesley Matheus, consultor do Banco Mundial, à Al Jazeera.

“Assim, sistemas econômicos que estão de certa forma dissociados dessas variáveis ​​e integrados à dinâmica socioambiental de um determinado contexto tendem a ser mais resistentes a possíveis choques no mercado financeiro.”

Moradores da comunidade Willimon no Brasil se reúnem para ajudar a limpar a terra de Telma Macuxi
Moradores da comunidade Willimon se reúnem para ajudar na limpeza das terras dos Macuxi [Amanda Magnani/Al Jazeera]

proteção ecológica

Em comunidades como a brasileira Tabalascada, que abriga cerca de 1.000 pessoas em 5.260 hectares (13.000 acres), isso já é uma realidade. Sua economia é circular e sustentável.

“Hoje, quase tudo que é produzido em nosso território é comercializado e consumido dentro da comunidade”, disse o cacique Cesar Wapichana à Al Jazeera.

Desde 2010, a comunidade abriga a Associação dos Produtores Indígenas de Tabalascada. As atividades dos membros incluem agricultura, fabricação de farinha e criação de animais.

No ano passado, moradores da comunidade criaram um grupo de WhatsApp para promover a venda e troca de produtos produzidos localmente.

“Antigamente, tínhamos que ir de carro até a cidade para vender nossos produtos ou pagar para entregar”, conta Wapichana. “Foi mais complicado e caro. Hoje, tudo o que é anunciado no grupo de WhatsApp é vendido quase imediatamente.”

O dinheiro que flui dentro da comunidade tem ajudado pequenos negócios, como lanchonetes e bodegas, além de estimular produtores que estão no centro do sistema econômico. E como seu comércio depende fortemente dos ecossistemas locais, a economia circular de Tabalascada também promoveu a proteção ecológica.

“Realmente temos uma economia robusta dentro do nosso território”, disse Wapichana. “Isso trouxe crescimento para toda a comunidade – sempre com a preservação em primeiro plano.”

Uma área de preservação do lavrado, vegetação tradicional da região onde está localizada a Tabalascada no Brasil
Uma área de preservação na região onde está localizada a Tabalascada [Amanda Magnani/Al Jazeera]

Fonte: www.aljazeera.com

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