Em 17 de janeiro, publiquei um tópico de três tweets, nos quais afirmei:
1. Discutir a REVOLUÇÃO supõe um sujeito coletivo em luta, consciente da necessidade de superação da ordem capitalista. A luta é essencial, mas é insuficiente se não houver um projeto político transformador que incorpore essa dinâmica da luta de classes em condições específicas.
2. O triunfo revolucionário constitui um momento de permanentes processos de transformação, no caminho da construção de uma CULTURA social alternativa à civilização capitalista. Não é um processo único limitado a um território. Tem uma direção global que agrega experiências locais.
3. É importante possibilitar a discussão para a REVOLUÇÃO em nosso tempo. O caminho não está escrito e a experiência é essencial diante de séculos de exploração, pilhagem e dominação capitalista. Devemos estar abertos para rever o momento atual e aprender com a experiência histórica.
Hoje, 22 de fevereiro, terminei de ler “Revolução. Uma história intelectual”, de Enzo Traverso, editado pelo Fondo de Cultura Económica, com versão espanhola de outubro de 2022. É uma obra extensa (644 páginas), com uma resenha documentada das “revoluções”, a americana, a francesa , o haitiano e o russo. É um texto interessante, polêmico, com farta bibliografia, com debate teórico e político.
O autor não pretende enveredar por receitas do que fazer no presente e no futuro, reconhecendo algumas pistas na dinâmica de luta das últimas décadas após o desaparecimento da URSS.
Traverso sustenta no breve epílogo que “A esquerda do século XXI é obrigada a reinventar-se e distanciar-se dos padrões anteriores”, apelando ao estudo da experiência histórica e à construção de um “novo imaginário revolucionário”.
São várias as linhas de contacto entre as minhas três mensagens de um mês atrás, quando desconhecia a existência do texto desta leitura recente. Ainda que muitas das teses, opiniões e conclusões do autor italiano possam ser discutidas, elas constituem base para um debate necessário.
Não pretendo argumentar, nem comentar o texto de Traverso, mas enfatizar esses três eixos que publiquei em janeiro passado.
Um: o retorno a Marx e à crítica do capitalismo, com a essencialidade de O Capital e de toda a obra, sejam os primeiros ensaios, como a correspondência e os últimos textos, muitos dos quais acabam de chegar à nossa consideração.
Estudar a totalidade do que Marx escreveu, muito do que se aprendeu nos últimos anos, além de articulá-lo com as tentativas de organização desdobradas, seja na Liga dos Comunistas, seja na Associação Internacional dos Trabalhadores.
Com Marx recuperamos o papel do trabalho como pai da riqueza e da terra como mãe. Trabalho e bens comuns são duas categorias essenciais para pensar a criação da base material da vida cotidiana e, portanto, a necessidade de superar o capitalismo a partir de uma crítica.
São categorias que permitem discutir o capitalismo desde seus primórdios e seu percurso, o presente e a necessidade de transformação revolucionária, que não acontece por si só.
Não há revolução sem consciência crítica do capitalismo, apoiada na luta e organização de mulheres e homens pela emancipação social, o que significa ressignificar o projeto socialista ou comunista.
A luta transborda, por reivindicações democráticas e até mesmo estruturais, com uma reivindicação antissistêmica, mas não necessariamente consubstanciada em um projeto político que discuta um horizonte alternativo ao capitalismo.
Dois: a mudança cultural é essencial. Não se trata de distribuir riquezas, mas de mudar substancialmente a ordem social, a forma de organização para a reprodução da vida e da natureza.
A organização do cotidiano exige novas formas de articulação das relações entre mulheres, homens e diversidades, eliminando todas as formas de racismo e discriminação.
Sustentamos que as relações sociais de autogestão, cooperação e solidariedade impregnam uma ordem contrária à exploração e ao saque.
Por isso, não basta socializar os meios de produção.
É essencial construir outros tipos de relações sociais, que devem fazer parte do quotidiano do presente, antecipando uma sociedade sem exploração ou saque dos bens comuns, promovendo a lógica reprodutiva do metabolismo social e natural para as próximas gerações.
Uma mudança cultural que renova o internacionalismo popular.
Três: a dinâmica organizativa do movimento popular deve ser ressignificada, especialmente aquelas refletidas na história de luta do movimento operário, entre as quais, é preciso voltar a discutir o sindicalismo e as diversas formas de protesto, sociais, econômicas, organização cultural e política.
Os sindicatos e as organizações econômicas desenvolvidas pelos trabalhadores na história devem ser repensados em tempos de ofensiva do capital contra o trabalho implantados em tempos de hegemonia neoliberal, desde o fim da crise de 60/70 até o presente.
Uma ofensiva que fragmenta o movimento entre empregados e desempregados, regularizados e não regularizados, precários, com ou sem previdência, mas com tendência de queda na renda salarial. O que também atuou no plano ideológico e subjetivo, dispensando formas de construção coletiva.
Aludimos a uma realidade que oculta a especificidade da exploração e sua relação com o conjunto de questões que definem a dominação capitalista e que é visível na dinâmica da luta vingativa dos feminismos populares ou daqueles que enfrentam a destruição da Natureza, entre tantas outras manifestações das lutas populares em nosso tempo.
As formas políticas dessa organização em luta precisam ser ressignificadas a partir do papel popular na tomada de decisões no cotidiano.
O debate não se encerra com o que foi dito, é verdade, mas é fundamental retomar a discussão para a revolução.
Buenos Aires, 22 de fevereiro de 2023
Source: https://argentina.indymedia.org/2023/02/24/discutir-la-revolucion/