Nas últimas duas décadas, o cenário político espanhol tem sido caracterizado pela convulsão. Entre as muitas variáveis ​​que moldam esta realidade, uma delas é o confronto entre o centro – Madrid – e as periferias, algumas das quais com identidade própria e distinta.

Na Espanha existem diferentes nacionalismos, incluindo o nacionalismo catalão ou basco. Há também um nacionalismo espanhol de origem castelhana. Este nacionalismo está profundamente enraizado na política espanhola desde a época da Restauração na segunda metade do século XIX.

De facto, as alusões aos nacionalismos periféricos e às suas reivindicações são constantes, ao passo que quase não há referência ao nacionalismo espanhol.

Essa “invisibilidade” significa que na Espanha não há sentimento de identidade para toda a nação que se opõe aos nacionalismos regionais? Para descobrir a resposta a essa pergunta, basta rever um pouco da história.

No século XV, os reinos de Aragão e Castela haviam sido unificados e o processo de expansão para a América, liderado pela Coroa de Castela, havia começado. Nessa altura, apenas podemos identificar uma certa identidade “pré-nacional” que está mais relacionada com a lealdade à Monarquia Espanhola e ao Império Espanhol do que com uma linha de pensamento que tem a ver com um conceito nacional de Espanha.

A consolidação da democracia e a superação da ditadura de Franco – a partir da década de 1980 – implicaram o fortalecimento de novas correntes políticas.

Foi no século XIX que realmente surgiu uma escola de pensamento que promoveu a unidade e a identidade da Espanha como uma nação única e indivisível. Isso ocorreu em um contexto de agitação social após a guerra peninsular doméstica e a perda traumática das colônias americanas. Foi apresentado por figuras como os políticos espanhóis Antonio Cánovas del Castillo e Juan Donoso, entre outros.

Idéias de centralismo e unidade territorial da Espanha foram uma parte significativa dessa ideologia. O patriotismo e a defesa da pátria também foram centrais, assim como o catolicismo e o tradicionalismo, reforçados por uma oposição às correntes mais liberais que promoviam a modernização da Espanha. Estes foram percebidos como uma ameaça à identidade e ao tradicionalismo espanhóis.

Este sentimento de identidade espanhola foi reforçado durante a ditadura de Franco de 1939-1975. O franquismo usou os conceitos ideológicos do nacionalismo espanhol para justificar seu regime autoritário e centralista, bem como a dura repressão contra qualquer forma de dissidência política ou reivindicação de autonomia regional.

Como era de se esperar, durante a transição para a democracia (1976-1982) houve um forte ressurgimento da identidade regional na Catalunha e no País Basco. Isso exigia maiores quantidades de autonomia e autogoverno. Em oposição a isso, não houve uma reação significativa do nacionalismo espanhol, enfraquecido por sua proximidade ideológica com o regime de Franco.

No entanto, a consolidação da democracia e a superação da ditadura de Franco – a partir da década de 1980 – implicaram o fortalecimento de novas correntes políticas. Estes passaram a reivindicar a identidade nacional e a unidade territorial da Espanha com mais veemência, fazendo-o em oposição aos movimentos nacionalistas periféricos.

Entre os partidos políticos que defendem o nacionalismo espanhol com grande intensidade está o Partido Popular de José María Aznar, assim como vários grupos de extrema-direita.

Mas é importante ressaltar que o nacionalismo espanhol não é um fenômeno exclusivo da direita política. Existem linhas de pensamento nacionalistas na esquerda que também defendem a identidade e a unidade da Espanha. No entanto, o fazem a partir de uma perspectiva mais ampla de diálogo.

A gestão de Aznar (1996-2004) caracterizou-se por colocar o nacionalismo espanhol no centro da cena política. Seu governo implementou iniciativas que implicaram uma mudança substancial no contexto político espanhol.

Entre os mais dignos de nota está a quebra, por parte do governo espanhol, do equilíbrio estabelecido pelo Título VIII da Constituição, que estabelecia diferentes níveis de competência entre as comunidades autónomas históricas (Catalunha, Galiza e País Basco) e o resto dos países autónomos espanhóis comunidades. A Constituição de 1978 diferenciava entre as comunidades que tinham um estatuto de autonomia antes da Guerra Civil Espanhola e aquelas que não tinham. E deu a esses três mais poder para decidir sobre seus territórios.

Mas a aplicação do artigo 152.º culminou numa política de transferência de poder que praticamente igualou as competências de todas as comunidades.

É neste contexto de “resposta ao movimento de independência da Catalunha” que devemos observar o crescimento significativo de um sentimento de identidade espanhola nos últimos anos.

Da mesma forma, algumas outras iniciativas políticas geraram um sentimento de injustiça e contribuíram para uma espiral de reivindicações dos governos catalão e basco, que desejam manter um status especial no quadro autônomo espanhol. Essas iniciativas incluem a consolidação de uma Espanha que se espalha radialmente a partir de Madri, a política tributária da Comunidade de Madri – mais frouxa do que em outras comunidades – e a falta de investimentos na região do Mediterrâneo.

Finalmente, a partir de 2010 e coincidindo com a decisão do Tribunal Constitucional sobre o Estatuto da Catalunha, iniciou-se uma fase muito conturbada da política espanhola, caracterizada por um forte confronto político entre os vários nacionalismos.

O “Procès” (Processo Catalão pela Soberania; 2010-2017) tornou-se uma espiral de confronto entre o nacionalismo catalão e o nacionalismo espanhol. O primeiro queria ser reconhecido como um ator político com direito à autodeterminação. Já a segunda negava qualquer possibilidade de negociação, utilizando todos os mecanismos do Estado para impedir a realização do referendo de 1º de outubro de 2017.

É neste contexto de “resposta ao movimento de independência da Catalunha” que devemos observar o crescimento significativo de um sentimento de identidade espanhola nos últimos anos. A implementação – dos partidos de direita conservadores, liberais e radicais da Espanha (PP, Cs e Vox) – de políticas e campanhas voltadas para o confronto com os nacionalismos periféricos também nasceram após aquele evento.

Eles pretendem reforçar os princípios de centralização, identidade nacional e unidade territorial – princípios tão típicos do senso de identidade da Espanha.

Este artigo foi republicado de The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.

Fonte: https://www.truthdig.com/articles/does-spanish-nationalism-exist/?utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=does-spanish-nationalism-exist

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