No início do governo Cambiemos, Morales e Bullrich ampliaram a repressão em Jujuy.

Por Ricardo Ragendorfer @Ragendorfer

Era meio-dia de sexta-feira, 16 de junho, em San Salvador de Jujuy, quando o governador e candidato presidencial Gerardo Morales, muito incomodado com os cantos que se infiltravam em seu escritório, deu alguns passos em direção à janela, em frente à Plaza Belgrano. E xingou baixinho.

O oceano de manifestantes se estendia até um horizonte impreciso. E bastava um olhar para ele para entender que nenhum tipo de intervenção policial poderia descomprimir aquela paisagem. Algo que ele nunca imaginou para si mesmo.

Talvez então tenha tido um déjà vu: aquela mesma praça na manhã de 13 de dezembro de 2015, apenas 72 horas depois de assumir o governo de sua província pela primeira vez, tomada por um campista da organização Tupac Amaru com cerca de 5.000 pessoas em 200 tendas, que – com Milagro Sala à frente – exigiram a continuidade dos planos sociais.

Na ocasião, ele não hesitou em ligar para a também novíssima ministra da Segurança Nacional, Patricia Bullrich.

“Vou cuidar disso agora mesmo, Sr. Governador”, foi sua resposta.

É possível que seu tom solene se devesse ao fato de ela ter vislumbrado naquele telefonema um acontecimento histórico: a estreia repressiva do regime macrista.

Para isso, a assistência policial a Morales foi enviada a Jujuy na velocidade da luz: uma caravana liderada por uma viatura, seguida por três caminhões Unimog com suprimentos e três ônibus com 150 policiais.

No entanto, a expedição terminou da pior maneira: 43 policiais uniformizados morreram quando um dos ônibus caiu no sul de Salta.

Isso fez com que Bullrich e Morales permanecessem inextricavelmente ligados por tal infortúnio, mais do que por seus respectivos ideais e ambições.

Talvez Morales tenha pensado nela ao meio-dia da última sexta-feira, enquanto a multidão que cercava o Palácio do Governo entoava com cada vez mais força: “Abaixo a reforma! Suba os salários!

Um paradoxo: com esse slogan, os sindicatos de professores receberam trabalhadores de usinas de açúcar, organizações sociais e comunidades indígenas que vieram de diferentes partes da província para a Plaza Belgrano, apenas algumas horas depois que Morales conseguiu sancionar – entre galos e meia-noite em um sentido literal–, a reforma da Constituição que penaliza as mobilizações –e até os funcionários que negociam com os que protestam–, equiparando reivindicações sociais ao crime. Bem, o resultado foi aquela cidade nunca antes vista. Uma grande vitória da realidade sobre os sonhos de poder absoluto.

Talvez, como resultado, Bullrich também tenha pensado no pobre Morales. E principalmente, na polêmica que tiveram poucos dias atrás.

Estava prestes a fechar as alianças, quando ele pediu a ela para “dar um troco”. E sua resposta não demorou a chegar: “É a última coisa que vou fazer.”

Na metáfora do automóvel usada por Morales havia uma questão subjacente de estilo que, aliás, divide o Together for Change. Porque o negócio dos radicais – como o de Horacio Rodríguez Larreta – é desperdiçar o bom senso. E a do presidente – de licença – do PRO, ser dura e inflexível.

Morales a chamou de “alterada”. E Bullrich chamou de “quente”. Tudo muito cantado, como convém a uma antinomia em certo grau de exagero.

Mas aquela coisa de “calor” pareceu tocar no íntimo do governador, que refutou aquele adjetivo com prosa apressada: “Não vou redobrar para ver quem tem mais coragem para enfrentar o que está por vir e tomar decisões O que eu fiz, o que eu tive que enfrentar, Milagro Sala e os criminosos que estão na prisão, junto com as decisões do governo que tomei para mudar minha província, falam por mim.”

O problema é que o “autoelogio” desse tipo supostamente moderado expôs suas piores arbitrariedades, além de colocar sua visão de mundo à direita de Genghis Khan.

Não é segredo que sob seu comando, Jujuy foi o laboratório do direito Na Argentina. E que o “enredamento” de Sala resultou nada menos que o seu baptismo de fogo, a que se seguiram outras artimanhas não menos condenáveis. Uma espécie de festival de atrocidades.

De qualquer forma, Rodríguez Larreta foi um pouco mais sutil ao delegar as arestas repressivas e persecutórias de seu governo a personagens descartáveis, como o ministro da Segurança, Eugenio Burzaco, e a ministra da Educação, Soledad Acuña. Ele, entretanto, repavimenta calçadas, abre filiais da Farmacity e improvisa discursos sobre “o bem comum”.

É hora dos “falcões” e “pombas”? No melhor dos casos, é uma qualificação caprichosa diferenciar funcionários de administrações autoritárias. Mas não é nem mesmo um recurso novo.

Já foi utilizado durante a última ditadura, para resumir o estágio militar da época. Tanto é assim que, naquele bando de assassinos, o general Jorge Rafael Videla era considerado nada menos que uma “pomba” – agora parece uma piada – comparado a “falcões” como Antonio Bussi ou Luciano Menéndez. De fato, naqueles anos, os colunistas de TV haviam naturalizado tal terminologia, também utilizada por um partido de esquerda não banido.

Agora, novos “falcões” e “pombas” habitam a cena política.

Nesse contexto, é notável como, devido a emergências temporárias, alguns “falcões”, como Waldo Wolff e José Luis Espert, acabaram se juntando às fileiras de Larreta, enquanto certas “pombas”, como o deputado portenho Daniel Lipovetzky, agora beber na horda de bullying.

Não é por acaso que nestes tempos, em que o mundo parece uma enorme “República de Weimar” – aludindo ao regime que existiu na Alemanha entre o fim da Primeira Guerra Mundial e 1933, quando Hitler chegou ao poder -, tem havido um retorno a esse antigo eufemismo avícola para se tornar moda.

Possivelmente seria mais apropriado falar de “hienas” e “cobras”. «


Fonte: https://www.tiempoar.com.ar/hienas-y-serpientes-genesis-del-autoritarismo-que-rige-jujuy/

Fonte: https://argentina.indymedia.org/2023/06/18/hienas-y-serpientes-genesis-del-autoritarismo-que-rige-jujuy/

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