O famoso marxista húngaro e autor de História e consciência de classe, Gyorgy Lukács chamou Lénine de “o único teórico igual a Marx ainda produzido pela luta pela libertação do proletariado”. Lenine, cujo centenário da morte comemoramos este ano, foi uma combinação extremamente rara de teoria e prática, de movimento e organização. A sua realização suprema foi, claro, liderar a primeira revolução socialista bem-sucedida no mundo, defendê-la contra todas as probabilidades e construir um Partido Comunista que conseguisse cumprir esta tarefa.
Entre as muitas contribuições teóricas seminais feitas por Lenin ao marxismo estava o seu pioneirismo no conceito de aliança operária-camponesa para uma revolução socialista. Ele não apenas propôs teoricamente esse conceito; mas também trabalhou praticamente para tornar isso uma realidade para o sucesso da Revolução de Outubro na Rússia, e manteve-o para a construção do socialismo.
EVOLUÇÃO DO CONCEITO
Marx e Engels, nos seus ricos escritos, concentraram principalmente a sua atenção no proletariado – a classe trabalhadora – nos então países capitalistas industriais relativamente avançados da Europa. O proletariado, declararam, forneceria liderança à luta por uma transformação social radical do capitalismo para o socialismo. É claro que levaram em conta os aspectos positivos e negativos do papel dos diferentes estratos do campesinato.
A experiência da heróica Comuna de Paris de 1871 mostrou que uma das principais razões da sua derrota foi que a burguesia francesa conseguiu obter o apoio do campesinato contra a Comuna liderada pela classe trabalhadora. Este apoio foi conseguido criando no campesinato o medo de que o ataque da classe trabalhadora à propriedade burguesa se transformasse também num ataque à propriedade camponesa.
Contudo, Marx e Engels também estavam conscientes do potencial positivo do campesinato. Isto fica claro numa carta escrita por Marx a Engels em 16 de abril de 1856, onde ele diz: “Tudo na Alemanha dependerá da possibilidade de apoiar a revolução proletária através de uma segunda edição da Guerra Camponesa. Então o caso será esplêndido…” Lenin tomou nota desta observação muito cedo e repetiu-a novamente num dos últimos artigos da sua vida chamado Nossa Revolução, publicado pela primeira vez em Verdade em 30 de maio de 1923.
Aos 26 anos, Lenin escreveu “O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia” em 1896. Nesse livro ele sublinhou o potencial revolucionário tanto do proletariado como do campesinato. Já em 1901, em seu artigo O Partido dos Trabalhadores e o Campesinato, Lenine falou do objectivo revolucionário das lutas da classe trabalhadora e depois escreveu: “Poderá este objectivo ser alcançado sem semear as sementes da luta de classes e da consciência política entre os muitos milhões de camponeses? Que ninguém diga que é impossível semear estas sementes! Isso já está sendo feito de mil maneiras que escapam à nossa atenção e influência.” Em 1903, Lenin expandiu bastante este tema através de seu livro Para os pobres rurais, que ainda mantém sua relevância.
DUPLO OBJETIVO DA ALIANÇA TRABALHADOR-CAMPONESA
A primeira Revolução Russa de 1905, esmagada pelo regime czarista, rendeu lições valiosas. Foi então que o Partido Bolchevique deu a palavra de ordem de uma “ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato”. Este foi um valioso enriquecimento do marxismo.
A análise e o argumento básicos para este novo slogan que Lénine apresentou, com base na análise concreta das condições concretas, foram os seguintes. Havia uma grande diferença entre o capitalismo inicial e o capitalismo tardio. A Revolução Francesa de 1789 liderada pela burguesia, representando o capitalismo inicial, esmagou o feudalismo e redistribuiu as terras das propriedades feudais entre o campesinato. Mas a burguesia no capitalismo tardio, na Rússia e noutros lugares, tinha perdido o seu vigor anterior, era incapaz de desferir golpes tão mortais no feudalismo, estava de facto a tentar chegar a compromissos com a ordem feudal que frustrava as aspirações democráticas do campesinato, e era sendo ameaçado pela classe trabalhadora emergente. A burguesia estava aterrorizada com a possibilidade de que, se atacasse a propriedade feudal, isso levasse a um ataque repentino dos trabalhadores também à propriedade burguesa.
Foi nesta situação que Lenin apresentou a concepção de uma aliança operária-camponesa, liderada pela classe trabalhadora, que não só completaria a revolução democrática (anti-feudal), mas também avançaria para uma revolução socialista (anti-feudal). -capitalista) revolução. Assim, a seguinte conclusão foi tirada por Lenin em seu célebre livro “Duas Táticas da Social Democracia na Revolução Democrática” escrito em 1905,
O proletariado deve levar a cabo a revolução democrática, aliando a si a massa do campesinato, a fim de esmagar pela força a resistência da aristocracia e paralisar a instabilidade da burguesia. O proletariado deve realizar a revolução socialista, aliando a si a massa de elementos semi-proletários da população, de modo a esmagar pela força a resistência da burguesia e paralisar a instabilidade do campesinato e da pequena burguesia.
Com base no princípio fundamental do fortalecimento da aliança operária-camponesa, Lenine e o Partido Bolchevique tomaram consistentemente várias posições políticas vigorosas e medidas práticas até e especialmente depois da Revolução de Outubro, quando estava no poder.
O clássico slogan de mobilização da própria Revolução Russa, “Paz! Terra! Pão!”, refletia essa unidade. Foram eleitos sovietes de trabalhadores, camponeses e soldados, e os seus deputados reuniram-se em conferências. No final de seu último artigo, datado de 2 de março de 1923, intitulado Melhor menos, mas melhor, que trata das tarefas da Inspeção Operária e Camponesa, escreveu Lenin,
Devemos esforçar-nos por construir um Estado em que os trabalhadores conservem a liderança dos camponeses, em que conservem a confiança dos camponeses e, através do exercício da maior economia, eliminem qualquer vestígio de extravagância das nossas relações sociais.
IMPERIALISMO E NOVOS DESAFIOS
Lenine fez uma análise brilhante do imperialismo em 1916 no seu livro homónimo. Hoje, depois de mais de um século, o carácter básico do imperialismo delineado por Lénine – a sua exploração, pilhagem, desigualdades, guerras, destruição – acentuou-se ainda mais. O capital financeiro internacional está em alta. Milhões foram mortos em guerras e fome. O próprio planeta Terra corre grave perigo devido ao aquecimento global e à degradação ambiental.
A teoria e a prática da aliança operária-camponesa iniciada por Lénine levou a revoluções socialistas vitoriosas não só na Rússia, mas também na China, no Vietname, na Coreia e em Cuba. Em cada um destes países, as forças revolucionárias vitoriosas tiveram de lutar contra as classes dominantes burguesas e latifundiárias, e também contra o imperialismo que as apoiou até ao fim.
Na nova era da globalização imperialista e do neoliberalismo, com tendências neofascistas, chauvinistas, comunais e racistas a erguerem as suas cabeças feias, a importância fundamental de forjar e fortalecer a aliança trabalhador-camponesa em cada país cresceu exponencialmente. Porque além do feudalismo e dos seus remanescentes, a classe trabalhadora e o campesinato enfrentam hoje o ataque ainda maior do neoliberalismo e dos males que o acompanham. Isto só pode ser repelido por uma unidade muito maior destas classes produtivas e exploradas.
Como escreve Prabhat Patnaik,
A perspectiva de uma revolução em grande parte do Terceiro Mundo depende crucialmente da construção bem sucedida de uma aliança operário-camponesa. Sem tal aliança, qualquer transcendência revolucionária do capitalismo não é possível, tal como a própria Revolução de Outubro não teria sido possível sem tal aliança.
A necessidade de tal aliança surge hoje não apenas para completar a revolução democrática anti-feudal, mas também para superar a aguda crise agrária e, em geral, a crise da pequena produção, que a globalização contemporânea desencadeou em grande parte do terceiro mundo. Implicou a eliminação do apoio estatal à pequena produção que os regimes dirigistas pós-coloniais tinham fornecido em vários graus, em conformidade com as promessas da luta anticolonial, e expôs este sector à invasão do grande capital globalmente móvel e à as vicissitudes das flutuações dos preços no mercado mundial.
Dado que o crescimento da procura de trabalho nos sectores capitalistas destas economias tem sido lamentavelmente inadequado, ficando aquém do crescimento natural da força de trabalho, esta invasão do grande capital na pequena produção trouxe uma angústia aguda a milhões de trabalhadores, inclusive aos trabalhadores empregados no próprio setor capitalista. Na Índia, por exemplo, mais de quatro lakh camponeses cometeram suicídio nas últimas três décadas.
ESFORÇOS RECENTES NA ÍNDIA
O Programa CPI(M) atualizado em 2000, diz no Parágrafo 7.6,
O núcleo e a base da frente democrática popular é a firme aliança da classe trabalhadora e do campesinato. Esta aliança é a força mais importante na defesa da independência nacional, na realização de transformações democráticas de longo alcance e na garantia do progresso social global. O papel das outras classes na realização da revolução depende crucialmente da força e da estabilidade da aliança operário-camponesa.
A unidade operário-camponesa na Índia manifestou-se em vários exemplos gloriosos na nossa luta pela liberdade anti-imperialista, e também nas lutas históricas anteriores da classe trabalhadora e do campesinato. Nos últimos anos, esforços conscientes foram feitos nesta direção através de grandes ações conjuntas em todo o país da CITU, AIKS e AIAWU desde 2018 até 2023. Um divisor de águas muito significativo foi alcançado na icônica e vitoriosa luta nacional dos agricultores que durou um ano. em 2020-21 contra as três odiadas leis agrícolas. Foi liderado pelo Samyukta Kisan Morcha (SKM) e recebeu o apoio irrestrito da classe trabalhadora sob a liderança dos Sindicatos Centrais (CTUs). Da mesma forma, as greves nacionais lideradas pela CTU receberam o apoio total do SKM. Esta luta conjunta das duas classes continua em 2024.
No entanto, tudo isto ainda é apenas um pequeno começo. Devem ser tomadas medidas de agitação, políticas, ideológicas e organizacionais muito mais extensas e intensas para alcançar o objectivo imediato de derrotar o actual governo RSS-BJP corporativo-comunal-Manuwadi-autoritário na Índia. E esforços imensamente maiores devem ser feitos pelas forças de esquerda e democráticas na Índia para construir a aliança operária-camponesa dos sonhos de Lenine, a única que pode conseguir alcançar uma transformação social verdadeiramente revolucionária no nosso país.
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Fonte: mronline.org