Belo Horizonte, Brazil – Os primeiros 100 dias de mandato de um governo podem ser uma espécie de lua de mel, com eleitores e políticos esperançosos por um novo começo. Mas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar de alguns sinais de progresso, os últimos três meses foram marcados por um certo cansaço.
Na área social, seu jogo tem sido forte, com Lula retomando programas voltados para o fortalecimento da moradia popular, distribuição de água e ajuda financeira para famílias carentes.
E após o sombrio retorno do Brasil ao Mapa da Fome do Programa Mundial de Alimentos, com mais de 33 milhões de brasileiros passando fome no ano passado, Lula relançou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, extinto no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Podemos ver que ele quer fazer coisas boas para os pobres – algo que o ex-presidente não fez”, disse Rosangela de Fátima Silva, que mora na cidade de Diamantina, sudeste do país, e trabalha em uma cozinha que atende ativistas locais de habitação, ao Al Jazeera.
Mas governar não tem sido uma tarefa fácil. A natureza do governo de coalizão de Lula levanta uma série de contradições internas, disseram especialistas – e sem uma base sólida no parlamento, alguns projetos podem ter dificuldades para serem aprovados.
Além disso, a invasão de prédios do governo por partidários de Bolsonaro em 8 de janeiro revelou a aparente animosidade contra Lula entre alguns escalões dos serviços de segurança do país, resultando em uma onda de demissões por sua suposta inação.
“Lula 3.0 é diferente de Lula 1.0 e Lula 2.0”, disse Evandro Menezes de Carvalho, coordenador do Centro de Estudos Brasil-China da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, à Al Jazeera.
“Ao voltar ao cargo, Lula encontra um Congresso e uma sociedade mais conservadores do que os de seus mandatos anteriores. A agenda deles, em grande parte, não é a mesma do Partido dos Trabalhadores”, acrescentou. “Lula não tem mais a popularidade que já teve – e a economia do Brasil não é mais a mesma.”
Capital político
De fato, Lula vem desgastando seu capital político com uma cruzada contra o Banco Central por causa dos juros, questionando a autonomia da entidade sob seu antecessor. Ao mesmo tempo, ele foi criticado por minimizar
ambas as acusações de corrupção contra seu ministro das Comunicações e acusações de ligações entre seu ministro do Turismo e uma milícia local. Ambos os ministros descartaram as alegações como distorções.
Parlamentares, que falaram com a BBC News Brasil no mês passado sob condição de anonimato, disseram que o recente retorno de Bolsonaro ao país após vários meses de exílio auto-imposto nos Estados Unidos foi baseado em parte em uma avaliação da fraqueza dentro do governo Lula, incluindo seu fracasso em iniciar uma recuperação econômica.
Sobre a crise climática, um dos principais focos da campanha de Lula, observadores também disseram ter visto pouco progresso no primeiro período de seu mandato. Depois que o governo Bolsonaro enfraqueceu o plano de ação do país para reduzir as emissões, esperava-se que Lula se comprometesse com reduções substanciais.
“Mas até agora, nada foi dito sobre o assunto”, disse Natalie Unterstell, presidente do think tank brasileiro de política climática Talanoa, à Al Jazeera.
Talanoa tem acompanhado a revogação de mandatos anteriores do governo que contribuíram para o processo de desmonte das políticas ambientais em todo o país, desde a pesca e extração de madeira até questões indígenas.
“Antes da eleição, identificamos 123 mandatos que tiveram que ser imediatamente revogados”, disse Unterstell, lembrando que até agora apenas 15 foram atendidos.
“Nos primeiros dias após a posse de Lula, vimos fortes sinalizações vindas do governo federal, principalmente em termos de reformas institucionais. Mas, desde então, o progresso tem sido mais lento – uma consequência direta do desmonte visto no governo anterior.”
Caminho para o crescimento
A agenda indígena tem sido um ponto positivo para Lula.
Entre a reestruturação da agência de assuntos indígenas do país, conhecida como FUNAI; para restaurar o financiamento para proteger a floresta amazônica; para revogar um decreto da era Bolsonaro que permitia a extração de madeira em terras indígenas, claro progresso foi feito graças aos esforços de representantes indígenas no governo, disseram observadores.
Também houve avanços na esfera da política externa, principalmente considerando o isolamento internacional imposto ao Brasil pelo governo Bolsonaro. Lula retomou uma política voltada para as relações Sul-Sul, visando fortalecer a cooperação entre os países em desenvolvimento do Sul Global.
Em janeiro, Lula anunciou que o Banco de Desenvolvimento Brasileiro voltaria a financiar projetos em países vizinhos, lembrando que isso era fundamental para garantir o papel de liderança do Brasil no desenvolvimento da América Latina.
No governo anterior, “o Brasil parou de se desenvolver e deixou de compartilhar a possibilidade de crescimento com outros países”, disse Lula durante viagem a Buenos Aires, onde se encontrou com o presidente argentino Alberto Fernandez e membros do empresariado brasileiro e argentino. Os dois países também estão trabalhando em um projeto de moeda comum como alternativa ao dólar americano para o comércio bilateral.
Em uma escala mais ampla, após quatro anos de animosidade internacional em relação a Bolsonaro, a posição do Brasil dentro do bloco econômico BRICS – que também inclui Rússia, Índia, China e África do Sul – parece estar em ascensão, com a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff eleita no mês passado como chefe de seu Novo Banco de Desenvolvimento. Lula deve viajar a Pequim na próxima semana para se encontrar com o presidente chinês.
Mas, como observaram Carvalho e outros analistas, ainda há um longo caminho pela frente: “Ao completar 100 dias de governo, ainda não identificamos as áreas em que mais precisamos de investimentos – não apenas da China, mas estrangeiros investimentos em geral”, disse.
Ao mesmo tempo, acrescentou Carvalho, o Brasil tem a oportunidade de começar a reconstruir sua influência diplomática, “Lula pode representar a possibilidade de diluir a polarização entre China e EUA, pois o país tem legitimidade para sentar à mesa com os dois lados, se não como mediador, pelo menos como interlocutor”.
Fonte: www.aljazeera.com