Capítulo Um: Commodities
SEÇÃO 1: OS DOIS FATORES DE UMA MERCADORIA: O VALOR DE USO E O VALOR (A SUBSTÂNCIA DO VALOR E A MAGNITUDE DO VALOR)
A riqueza daquelas sociedades em que prevalece o modo de produção capitalista, apresenta-se como “uma imensa acumulação de mercadorias”[1], sendo sua unidade uma única mercadoria. Nossa investigação deve, portanto, começar com a análise de uma mercadoria.
Uma mercadoria é, em primeiro lugar, um objeto fora de nós, uma coisa que por suas propriedades satisfaz as necessidades humanas de uma ou outra forma. A natureza de tais desejos, se, por exemplo, eles brotam do estômago ou da fantasia, não faz diferença [2]. Nem estamos aqui preocupados em saber como o objeto satisfaz esses desejos, seja diretamente como meio de subsistência, ou indiretamente como meio de produção.
Cada coisa útil, como ferro, papel, &c., pode ser vista sob os dois pontos de vista da qualidade e da quantidade. É um conjunto de muitas propriedades e, portanto, pode ser útil de várias maneiras. Descobrir os vários usos das coisas é o trabalho da história[3]. Assim também é o estabelecimento de padrões de medida socialmente reconhecidos para as quantidades destes objetos úteis. A diversidade destas medidas tem sua origem em parte na natureza diversa dos objetos a serem medidos, em parte na convenção.
A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso[4]. Mas esta utilidade não é uma coisa de ar. Sendo limitada pelas propriedades físicas da mercadoria, ela não tem existência além dessa mercadoria. Uma mercadoria, como ferro, milho ou um diamante, é portanto, na medida em que é uma coisa material, um valor de uso, algo útil. Esta propriedade de uma mercadoria é independente da quantidade de mão-de-obra necessária para se apropriar de suas qualidades úteis. Ao tratarmos do valor de uso, presumimos sempre estar lidando com quantidades definidas, tais como dezenas de relógios, pátios de linho ou toneladas de ferro. Os valores de uso das mercadorias fornecem o material para um estudo especial, o do conhecimento comercial das mercadorias [5]. Os valores de uso tornam-se realidade apenas pelo uso ou consumo: eles também constituem a substância de toda riqueza, qualquer que seja a forma social dessa riqueza. Na forma da sociedade que estamos prestes a considerar, eles são, além disso, os depositários materiais de valor de troca.
O valor de troca, à primeira vista, apresenta-se como uma relação quantitativa, como a proporção em que os valores em uso de um tipo são trocados por aqueles de outro tipo[6], uma relação que muda constantemente com o tempo e o lugar. Assim, o valor de troca parece ser algo acidental e puramente relativo, e consequentemente um valor intrínseco, ou seja, um valor de troca que está inseparavelmente ligado, inerente às mercadorias, parece uma contradição em termos [7].
Um determinado produto, por exemplo, um quarto de trigo é trocado por x preto, y seda, ou z ouro, &c. – em resumo, por outras mercadorias nas mais diferentes proporções. Em vez de um valor de troca, o trigo tem, portanto, um grande número. Mas como x preto, y seda, ou z ouro &c., cada um representa o valor de troca de um quarto de trigo, x preto, y seda, z ouro, &c., devem, como valores de troca, ser substituíveis um pelo outro, ou iguais um ao outro. Portanto, primeiro: os valores de troca válidos de uma determinada mercadoria expressam algo igual; segundo, o valor de troca, geralmente, é apenas o modo de expressão, a forma fenomenal, de algo contido nela, mas distinguível dela.
Tomemos duas mercadorias, por exemplo, o milho e o ferro. As proporções em que elas são intercambiáveis, quaisquer que sejam essas proporções, podem sempre ser representadas por uma equação na qual uma determinada quantidade de milho é igualada a alguma quantidade de ferro: por exemplo, 1 quarto de milho = x cwt. ferro. O que esta equação nos diz? Ela nos diz que em duas coisas diferentes – em 1 quarto de milho e x cwt. de ferro, existe em quantidades iguais algo comum a ambos. As duas coisas devem, portanto, ser iguais a uma terceira, que em si não é nem uma nem a outra. Cada uma delas, na medida em que seja de valor de troca, deve, portanto, ser redutível a esta terceira.
Uma simples ilustração geométrica deixará isso claro. A fim de calcular e comparar as áreas de figuras retilíneas, nós as decompomos em triângulos. Mas a área do próprio triângulo é expressa por algo totalmente diferente de sua figura visível, ou seja, pela metade do produto da base multiplicado pela altitude. Da mesma forma, os valores de troca de mercadorias devem poder ser expressos em termos de algo comum a todos eles, do qual eles representam uma quantidade maior ou menor.
Este “algo” comum não pode ser nem geométrico, nem químico, nem qualquer outra propriedade natural das mercadorias. Tais propriedades só chamam nossa atenção na medida em que afetam a utilidade dessas mercadorias, fazem com que elas utilizem valores. Mas a troca de mercadorias é evidentemente um ato caracterizado por uma total abstração do valor de uso. Então, um valor de uso é tão bom quanto outro, desde que apenas esteja presente em quantidade suficiente. Ou, como diz o velho Barbon,
“um tipo de mercadoria é tão bom quanto outro, se os valores forem iguais”. Não há diferença ou distinção em coisas de igual valor … Um valor de cem libras de chumbo ou de ferro, é de tão grande valor quanto cem libras de prata ou de ouro”[8].
Como valores de uso, as mercadorias são, acima de tudo, de diferentes qualidades, mas como valores de troca são apenas quantidades diferentes, e consequentemente não contêm um átomo de valor de uso.
Se então deixarmos de considerar o valor de uso das mercadorias, elas têm apenas uma propriedade comum, a de serem produtos de mão-de-obra. Mas mesmo o próprio produto da mão de obra passou por uma mudança em nossas mãos. Se fazemos abstração de seu valor de uso, fazemos abstração ao mesmo tempo dos elementos e formas materiais que fazem do produto um valor de uso; não vemos mais nele uma mesa, uma casa, um fio, ou qualquer outra coisa útil. Sua existência como uma coisa material é posta fora de vista. Também não pode mais ser considerado como o produto da mão-de-obra do carpinteiro, do pedreiro, do fiador, ou de qualquer outro tipo definido de mão-de-obra produtiva. Junto com as qualidades úteis dos próprios produtos, colocamos fora da vista tanto o caráter útil dos vários tipos de trabalho encarnados neles, quanto as formas concretas desse trabalho; não resta nada além do que é comum a todos eles; todos são reduzidos a um mesmo tipo de trabalho, o trabalho humano em abstrato.
Consideremos agora o resíduo de cada um desses produtos; ele consiste na mesma realidade insubstancial em cada um deles, uma mera congelação do trabalho humano homogêneo, da força de trabalho despendida sem levar em conta o modo de seu gasto. Tudo o que estas coisas agora nos dizem é que a força de trabalho humana foi gasta em sua produção, que o trabalho humano está incorporado nelas. Quando vistos como cristais desta substância social, comum a todos eles, eles são – Valores.
Vimos que quando mercadorias são trocadas, seu valor de troca se manifesta como algo totalmente independente do seu valor de uso. Mas se abstrairmos de seu valor de uso, permanece seu Valor como definido acima. Portanto, a substância comum que se manifesta no valor de troca das mercadorias, sempre que elas são trocadas, é o seu valor. O progresso de nossa investigação mostrará que o valor de troca é a única forma em que o valor das mercadorias pode se manifestar ou ser expresso. Por enquanto, no entanto, temos que considerar a natureza do valor independentemente disso, sua forma.
Um valor de uso, ou artigo útil, portanto, só tem valor porque o trabalho humano no abstrato foi incorporado ou materializado nele. Como, então, a magnitude deste valor deve ser medida? Simplesmente, pela quantidade da substância criadora de valor, o trabalho, contido no artigo. A quantidade de trabalho, entretanto, é medida por sua duração, e o tempo de trabalho, por sua vez, encontra seu padrão em semanas, dias e horas.
Algumas pessoas podem pensar que se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de mão-de-obra gasta nela, quanto mais ocioso e inábil for o trabalhador, mais valiosa será sua mercadoria, pois mais tempo seria necessário em sua produção. O trabalho, porém, que forma a substância do valor, é o trabalho humano homogêneo, gasto de uma força de trabalho uniforme. A força de trabalho total da sociedade, que se encarna na soma total dos valores de todas as mercadorias produzidas por essa sociedade, conta aqui como uma massa homogênea de força de trabalho humana, composta embora seja de inúmeras unidades individuais. Cada uma destas unidades é igual a qualquer outra, na medida em que tem o caráter da força de trabalho média da sociedade e tem efeito como tal; isto é, na medida em que requer para produzir uma mercadoria, não mais tempo do que o necessário em média, não mais do que o socialmente necessário. O tempo de trabalho socialmente necessário é aquele necessário para produzir um artigo nas condições normais de produção, e com o grau médio de habilidade e intensidade prevalecente na época. A introdução de teares elétricos na Inglaterra provavelmente reduziu pela metade a mão de obra necessária para tecer uma determinada quantidade de fio em tecido. Os tecelões de teares manuais, de fato, continuaram a exigir o mesmo tempo que antes; mas por tudo isso, o produto de uma hora de seu trabalho representava após a mudança apenas meia hora de trabalho social, e consequentemente caiu para a metade de seu valor anterior.
Vemos então que o que determina a magnitude do valor de qualquer artigo é a quantidade de mão-de-obra socialmente necessária, ou o tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção.[9] Cada mercadoria individual, nesta conexão, deve ser considerada como uma amostra média de sua classe.[10] As mercadorias, portanto, nas quais quantidades iguais de mão-de-obra são incorporadas, ou que podem ser produzidas ao mesmo tempo, têm o mesmo valor. O valor de uma mercadoria é o valor de qualquer outra, pois o tempo de mão-de-obra necessário para a produção de uma é o necessário para a produção da outra. “Como valores, todas as mercadorias são apenas massas definidas de tempo de trabalho congelado”[11].
O valor de uma mercadoria permaneceria, portanto, constante, se o tempo de trabalho necessário para sua produção também permanecesse constante. Mas este último muda com cada variação na produtividade da mão-de-obra. Esta produtividade é determinada por diversas circunstâncias, entre outras, pela quantidade média de habilidade dos trabalhadores, pelo estado da ciência e pelo grau de sua aplicação prática, pela organização social da produção, pela extensão e capacidade dos meios de produção, e pelas condições físicas. Por exemplo, a mesma quantidade de mão-de-obra em estações favoráveis é encarnada em 8 alqueires de milho, e em desfavorável, apenas em quatro. A mesma mão-de-obra extrai de minas ricas mais metal do que de minas pobres. Os diamantes são de ocorrência muito rara na superfície da terra e, portanto, sua descoberta custa, em média, muito tempo de mão-de-obra. Consequentemente, muita mão de obra é representada em uma pequena bússola. Jacob duvida que o ouro já tenha sido pago pelo seu valor total. Isto se aplica ainda mais aos diamantes. Segundo Eschwege, a produção total das minas de diamantes brasileiras durante os oitenta anos, que terminaram em 1823, não tinha percebido o preço médio de um ano e meio de produção das plantações de açúcar e café do mesmo país, embora os diamantes custassem muito mais mão-de-obra e, portanto, representassem mais valor. Com minas mais ricas, a mesma quantidade de mão-de-obra se incorporaria em mais diamantes, e seu valor cairia. Se pudéssemos ter sucesso com um pequeno gasto de mão-de-obra, na conversão de carbono em diamantes, seu valor poderia cair abaixo do dos tijolos. Em geral, quanto maior a produtividade do trabalho, menor é o tempo de trabalho necessário para a produção de um artigo, menor é a quantidade de trabalho cristalizado naquele artigo, e menor é seu valor; e vice-versa, quanto menor a produtividade do trabalho, maior é o tempo de trabalho necessário para a produção de um artigo, e maior é seu valor. O valor de uma mercadoria, portanto, varia diretamente como a quantidade, e inversamente como a produtividade, do trabalho incorporado a ela. [A]
Uma coisa pode ser um valor de uso, sem ter valor. Este é o caso sempre que sua utilidade para o homem não se deve ao trabalho. São eles: ar, solo virgem, prados naturais, &c. Uma coisa pode ser útil, e o produto do trabalho humano, sem ser uma mercadoria. Quem satisfaz diretamente suas necessidades com a produção de seu próprio trabalho, cria, de fato, valores, mas não mercadorias. Para produzir este último, ele deve não apenas produzir valores de uso, mas usar valores para outros, valores de uso social. (E não apenas para os outros, sem mais. O camponês medieval produziu o chifre de desistência para seu senhor feudal e o chifre de dízimo para seu pastor. Mas nem o desvinculado nem o dízimo se tornaram mercadorias pelo fato de terem sido produzidos para outros. Para se tornar uma mercadoria, um produto deve ser transferido para outro, a quem servirá de valor de uso, por meio de uma troca)[12] Por fim, nada pode ter valor, sem ser um objeto de utilidade. Se a coisa é inútil, o trabalho nela contido também o é; o trabalho não conta como trabalho e, portanto, não cria valor.
SEÇÃO 2: O DUPLO CARÁTER DE A MÃO-DE-OBRA ENCARNADA EM MERCADORIAS
À primeira vista, uma mercadoria se apresentou para nós como um complexo de duas coisas – valor de uso e valor de troca. Mais tarde, vimos também que o trabalho também possui a mesma natureza dupla; pois, na medida em que encontra expressão em valor, não possui as mesmas características que lhe pertencem como um criador de valores de uso. Fui o primeiro a apontar e a examinar criticamente esta dupla natureza do trabalho contido nas mercadorias. Como este ponto é o pivô sobre o qual gira uma clara compreensão da economia política, devemos entrar mais em detalhes.
Tomemos duas mercadorias como um casaco e 10 jardas de linho, e deixemos que a primeira seja o dobro do valor da segunda, de modo que, se 10 jardas de linho = W, o casaco = 2W.
O casaco é um valor de uso que satisfaz uma determinada necessidade. Sua existência é o resultado de um tipo especial de atividade produtiva, cuja natureza é determinada por seu objetivo, modo de operação, assunto, meios e resultado. A mão-de-obra, cuja utilidade é assim representada pelo valor de uso de seu produto, ou que se manifesta ao fazer de seu produto um valor de uso, chamamos de mão-de-obra útil. A este respeito, consideramos apenas seu efeito útil.
Como o casaco e o linho são dois valores de uso qualitativamente diferentes, assim também são as duas formas de trabalho que os produzem, a alfaiataria e a tecelagem. Se estes dois objetos não fossem qualitativamente diferentes, não produzidos respectivamente por mão-de-obra de qualidade diferente, eles não poderiam se comparar na relação de mercadorias. Os casacos não são trocados por casacos, um valor de uso não é trocado por outro do mesmo tipo.
A todas as diferentes variedades de valores em uso correspondem tantos tipos diferentes de trabalho útil, classificados de acordo com a ordem, gênero, espécie e variedade a que pertencem na divisão social do trabalho. Esta divisão de trabalho é uma condição necessária para a produção de mercadorias, mas não segue, inversamente, que a produção de mercadorias é uma condição necessária para a divisão de trabalho. Na primitiva comunidade indiana existe a divisão social do trabalho, sem a produção de mercadorias. Ou, para tomar um exemplo mais próximo de casa, em cada fábrica o trabalho é dividido de acordo com um sistema, mas esta divisão não é provocada pelos operadores que trocam mutuamente seus produtos individuais. Somente tais produtos podem se tornar commodities uns em relação aos outros, como resultado de diferentes tipos de trabalho, cada tipo sendo transportado de forma independente e por conta de particulares.
Para retomar, então: No valor de uso de cada mercadoria está contida mão-de-obra útil, ou seja, atividade produtiva de um tipo definido e exercida com um objetivo definido. Os valores de uso não podem se confrontar como mercadorias, a menos que o trabalho útil neles incorporado seja qualitativamente diferente em cada uma delas. Em uma comunidade, cujos produtos em geral tomam a forma de mercadorias, ou seja, em uma comunidade de produtores de mercadorias, esta diferença qualitativa entre as formas úteis de trabalho que são realizadas independentemente dos produtores individuais, cada um por conta própria, desenvolve-se em um sistema complexo, uma divisão social do trabalho.
De qualquer forma, seja o casaco usado pelo alfaiate ou por seu cliente, em ambos os casos funciona como um valor de uso. A relação entre o casaco e o trabalho que o produziu também não é alterada pela circunstância de que o alfaiate pode ter se tornado um comércio especial, um ramo independente da divisão social do trabalho. Onde quer que a falta de vestuário os tenha forçado a isso, a raça humana fez roupas durante milhares de anos, sem que um único homem se tornasse alfaiate. Mas casacos e roupas, como qualquer outro elemento da riqueza material que não seja o produto espontâneo da Natureza, devem invariavelmente sua existência a uma atividade produtiva especial, exercida com um objetivo definido, uma atividade que se apropria de materiais particulares da natureza a determinados desejos humanos. Portanto, na medida em que o trabalho é um valor criador de uso, é um trabalho útil, é uma condição necessária, independente de todas as formas de sociedade, para a existência do gênero humano; é uma necessidade eterna imposta pela natureza, sem a qual não pode haver trocas materiais entre o homem e a Natureza, e, portanto, nenhuma vida.
Os valores de uso, casaco, linho, &c., ou seja, os corpos de mercadorias, são combinações de dois elementos – matéria e trabalho. Se lhes retirarmos o trabalho útil gasto, sempre fica um substrato material, que é fornecido pela Natureza sem a ajuda do homem. Este último só pode trabalhar como a Natureza faz, isto é, mudando a forma da matéria[13]. Além disso, neste trabalho de mudar a forma, ele é constantemente ajudado por forças naturais. Vemos, então, que o trabalho não é a única fonte de riqueza material, de valores de uso produzidos pelo trabalho. Como diz William Petty, o trabalho é seu pai e a terra é sua mãe.
Passemos agora da mercadoria considerada como um valor de uso para o valor da mercadoria.
Por nossa suposição, o casaco tem o dobro do valor do linho. Mas esta é uma mera diferença quantitativa, que para o presente não nos diz respeito. Temos em mente, no entanto, que se o valor da camada for o dobro do valor de 10 yds de linho, 20 yds de linho devem ter o mesmo valor que uma camada. Na medida em que são valores, o casaco e o linho são coisas de substância semelhante, expressões objetivas de trabalho essencialmente idêntico. Mas a alfaiataria e a tecelagem são, qualitativamente, tipos diferentes de trabalho. Há, porém, estados da sociedade nos quais um mesmo homem faz a alfaiataria e a tecelagem alternadamente, caso em que estas duas formas de trabalho são meras modificações do trabalho do mesmo indivíduo, e não funções especiais e fixas de pessoas diferentes, assim como o casaco que nosso alfaiate faz um dia, e as calças que ele faz outro dia, implicam apenas uma variação no trabalho de um e do mesmo indivíduo. Além disso, vemos num relance que, em nossa sociedade capitalista, uma determinada parcela do trabalho humano é, de acordo com a demanda variável, em um momento fornecida sob a forma de alfaiataria, em outro sob a forma de tecelagem. Esta mudança talvez não ocorra sem fricção, mas deve ocorrer.
A atividade produtiva, se deixarmos de lado sua forma especial, ou seja, o caráter útil do trabalho, nada mais é do que o gasto da força de trabalho humana. A alfaiataria e a tecelagem, embora qualitativamente diferentes atividades produtivas, são cada uma delas um gasto produtivo de cérebros, nervos e músculos humanos e, neste sentido, são trabalho humano. Eles são apenas dois modos diferentes de gastar a força de trabalho humana. É claro que essa força de trabalho, que permanece a mesma sob todas as suas modificações, deve ter atingido um certo grau de desenvolvimento antes de poder ser despendida em uma multiplicidade de modos. Mas o valor de uma mercadoria representa o trabalho humano em abstrato, o gasto do trabalho humano em geral. E assim como na sociedade, um general ou um banqueiro desempenha um grande papel, mas o mero homem, por outro lado, uma parte muito mesquinha[14], assim aqui com o mero trabalho humano. É o gasto da simples força de trabalho, ou seja, da força de trabalho que, em média, além de qualquer desenvolvimento especial, existe no organismo de cada indivíduo comum. O simples trabalho médio, é verdade, varia de caráter em diferentes países e em diferentes momentos, mas em uma sociedade em particular ele é dado. O trabalho qualificado conta apenas como trabalho simples intensificado, ou melhor, como trabalho simples multiplicado, sendo uma determinada quantidade de trabalho qualificado considerada igual a uma quantidade maior de trabalho simples. A experiência mostra que esta redução está sendo feita constantemente. Uma mercadoria pode ser o produto da mão-de-obra mais qualificada, mas seu valor, ao equipará-la ao produto da mão-de-obra simples não qualificada, representa uma quantidade definida desta última apenas [15]. As diferentes proporções em que diferentes tipos de mão-de-obra são reduzidos a mão-de-obra não qualificada como padrão, são estabelecidas por um processo social que ocorre nas costas dos produtores e, consequentemente, parecem ser fixadas por costume. Por uma questão de simplicidade, doravante, vamos contabilizar todo tipo de mão-de-obra a ser não qualificada, mão-de-obra simples; com isso não fazemos mais do que nos poupar o trabalho de fazer a redução.
Assim como, portanto, ao vermos o casaco e o linho como valores, abstraímos de seus diferentes valores de uso, assim é com o trabalho representado por esses valores: desconsideramos a diferença entre suas formas úteis, tecelagem e alfaiataria. Como os valores de uso, casaco e linho, são combinações de atividades produtivas especiais com tecido e fio, enquanto que os valores, casaco e linho, são, por outro lado, meras congregações homogêneas de trabalho indiferenciado, assim o trabalho incorporado nestes últimos valores não conta em virtude de sua relação produtiva com o tecido e o fio, mas somente como sendo um gasto de força de trabalho humano. A alfaiataria e a tecelagem são fatores necessários na criação dos valores de uso, casaco e linho, precisamente porque estes dois tipos de trabalho são de qualidades diferentes; mas somente na medida em que a abstração é feita de suas qualidades especiais, somente na medida em que ambos possuem a mesma qualidade de trabalho humano, a alfaiataria e a tecelagem formam a substância dos valores dos mesmos artigos.
Casacos e linho, entretanto, não são meros valores, mas valores de magnitude definida, e de acordo com nossa suposição, o casaco vale o dobro do valor dos dez metros de linho. De onde vem esta diferença em seus valores? É devido ao fato de que o linho contém apenas metade da mão-de-obra do que o casaco, e consequentemente, na produção do último, a mão-de-obra deve ter sido gasta durante o dobro do tempo necessário para a produção do primeiro.
Enquanto, portanto, com referência ao valor de uso, a mão-de-obra contida em uma mercadoria conta apenas qualitativamente, com referência ao valor conta apenas quantitativamente, e deve primeiro ser reduzida ao trabalho humano puro e simples. No primeiro caso, é uma questão de Como e o quê, no segundo, de Quanto? De quanto tempo? Uma vez que a magnitude do valor de uma mercadoria representa apenas a quantidade de mão-de-obra nela incorporada, segue-se que todas as mercadorias, quando tomadas em certas proporções, devem ser iguais em valor.
Se o poder produtivo de todos os tipos de mão-de-obra útil necessária para a produção de um casaco permanece inalterado, a soma dos valores dos casacos produzidos aumenta com seu número. Se uma demão representa x dias de trabalho, duas demãos representam 2x dias de trabalho, e assim por diante. Mas suponha-se que a duração da mão-de-obra necessária para a produção de uma demão seja dobrada ou reduzida pela metade. No primeiro caso, uma demão vale tanto quanto duas demãos antes; no segundo caso, duas demãos só valem tanto quanto uma antes, embora em ambos os casos uma demão preste o mesmo serviço que antes, e a mão-de-obra útil nela incorporada permanece com a mesma qualidade. Mas a quantidade de mão-de-obra gasta em sua produção se alterou.
Um aumento na quantidade de valores de uso é um aumento da riqueza material. Com duas demãos dois homens podem ser vestidos, com uma demão apenas um homem. Entretanto, um aumento da quantidade de riqueza material pode corresponder a uma queda simultânea na magnitude de seu valor. Este movimento antagônico tem sua origem no caráter duplo do trabalho. O poder produtivo tem referência, naturalmente, apenas ao trabalho de alguma forma concreta útil, sendo a eficácia de qualquer atividade produtiva especial durante um determinado tempo dependente de sua produtividade. A mão-de-obra útil torna-se, portanto, uma fonte mais ou menos abundante de produtos, em proporção ao aumento ou queda de sua produtividade. Por outro lado, nenhuma mudança nessa produtividade afeta o trabalho representado pelo valor. Como o poder produtivo é um atributo das formas concretas de trabalho útil, é claro que ele não pode mais ter qualquer influência sobre esse trabalho, assim que nos abstraímos dessas formas concretas de trabalho útil. Entretanto, o poder produtivo pode variar, o mesmo trabalho, exercido durante períodos iguais de tempo, produz sempre quantidades iguais de valor. Mas ela renderá, durante períodos iguais de tempo, quantidades diferentes de valores em uso; mais, se a força produtiva aumentar, menos, se ela diminuir. A mesma mudança na potência produtiva, que aumenta a fecundidade da mão-de-obra e, em conseqüência, a quantidade de valores de uso produzidos por essa mão-de-obra, diminuirá o valor total dessa quantidade aumentada de valores de uso, desde que tal mudança reduza o tempo total de trabalho necessário para sua produção; e vice versaâ.
Por um lado, todo trabalho é, falando fisiologicamente, um gasto de força de trabalho humano, e em seu caráter de trabalho humano abstrato idêntico, ele cria e forma o valor das mercadorias. Por outro lado, todo trabalho é o gasto da força de trabalho humana de uma forma especial e com um objetivo definido, e neste, seu caráter de trabalho útil concreto, produz valores de uso[16].
SEÇÃO 3: A FORMA DE VALOR OU VALOR DE TROCA
A. Forma Elementar ou Acidental de Valor
1. Os dois pólos da expressão de valor. Forma Relativa e Forma Equivalente
2. A Forma Relativa de valor
3. A forma equivalente de valor
4. A Forma Elementar de valor considerada como um todo
B. Forma total ou expandida de valor
1. A forma relativa expandida de valor
2. A forma particular Equivalente
3. Defeitos da forma total ou expandida de valor
C. A Forma Geral de Valor
|
= 20 yards of linen |
1. O caráter alterado da forma de valor
2. O Desenvolvimento Interdependente da Forma Relativa de Valor, e da Forma Equivalente
3. Transição da forma geral de valor para a forma de dinheiro
D. The Money-Form
20 yards of linen = 1 coat = 10 lbs of tea = 40 lbs of coffee = 1 quarter of corn = 2 ounces of gold = ½ a ton of iron = x Commodity A = = 2 ounces of gold
coined are £2, 20 yards of linen = £2.
SEÇÃO 4: O FETICHISMO DAS MERCADORIAS E O SEU SEGREDO
Referências
https://www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/ch01.htm