Jean-Numa Ducange

Marx não deu nenhuma definição clara de nação, nem estabeleceu algum plano estratégico que permitisse aos socialistas e comunistas dizer “Marx disse que em tal e tal instância, devemos apoiar as demandas nacionais” etc. de abordagem caso a caso – por exemplo, apoiando as demandas da oprimida Polônia – e concedeu à questão maior ou menor importância dependendo do período em que escrevia. Por exemplo, no caso de l’Algérie française — a Argélia, conquistada pela França a partir de 1830 — ele estava, como muitos socialistas da época, inicialmente convencido dos benefícios da colonização.

Mas ele evoluiu nessa questão e tornou-se cada vez mais consciente do destino específico dos povos não europeus. De Kevin Anderson a Marcello Musto, muitos pesquisadores recentes mostraram que, mais tarde na vida, Marx adotou uma leitura cada vez mais multilinear da história, abandonando a ideia de que o desenvolvimento da história humana teria de ser basicamente combatido e vencido na Europa.

Quanto à famosa linha no Manifesto que os “trabalhadores não têm pátria”, eu observaria que o que ele diz neste texto é bem mais nuançado quando consideramos toda a passagem. Mais precisamente, ele disse: “Os trabalhadores não têm pátria. Não podemos tirar deles o que eles não têm. Uma vez que o proletariado deve antes de mais nada adquirir a supremacia política, deve ascender à classe dirigente da nação, deve constituir-se a nação, até agora ele próprio é nacional, embora não no sentido burguês da palavra”.

Então, se citarmos apenas a primeira parte, estamos enfatizando que a falta de pátria dos trabalhadores é a principal perspectiva, também para o futuro: a abolição das fronteiras deve ser incentivada, e o desenvolvimento do capitalismo deve nos levar até lá. Mas se trouxermos a segunda parte da mesma passagem, que fala explicitamente sobre defender a nação, mas de uma forma diferente do sentido burguês, então a perspectiva muda.

Lendo a obra de Marx de forma mais ampla, penso que ele nunca vislumbrou a abolição das nações, pura e simplesmente. Em vez disso, ele queria o fim da hostilidade entre as nações. Ele deixou aos marxistas muitas questões ainda por resolver: quando e em que circunstâncias eles podem defender a nação? E até onde devem ir, em termos de suas alianças políticas, para justificar uma frente comum no âmbito nacional?

Marx não entrou em detalhes sobre esse ponto, porque não considerava essa questão de importância tão central. Foram os líderes das gerações subsequentes que levantaram esta questão: [Joseph] Stalin, Leon Trotsky, Karl Renner, Otto Bauer, Jean Jaurès, para citar apenas alguns.

A ideia de nação da esquerda tem variado muito. Foi um foco central durante a Belle Époque (1871-1914), tanto com Jaurès na França quanto na Europa Central. Os socialistas alemães e austro-húngaros estavam particularmente preocupados com esta questão. Para Jaurès na França, amor pátria estava acima de qualquer discussão: ele amava profundamente seu país, sua cultura, e sua linguagem, que ele frequentemente elogiava em tons vigorosos. Mas ele nunca teve uma concepção exclusivista ou “racial” da nação.

Em sua obra de 1911 O Novo Exército, ligou estreitamente a nação e o internacionalismo: “Um pouco de internacionalismo afasta-nos da pátria; muito internacionalismo nos aproxima disso.” A lealdade ao próprio país combinava-se com a defesa do internacionalismo. Para Jaurès, a França significava a pátria da Revolução e da República. Historiador dos anos de 1789 a 1794, ele se identificou com os “patriotas” desse período que se opunham aos “aristocratas”. Quanto aos países de língua alemã, o quadro era bem diferente. O ano de 1871 foi o momento em que a unificação alemã foi finalmente alcançada. Mas além do fato de que a Alemanha era agora uma realidade política e geográfica, permanecia a questão das minorias cujos direitos não haviam sido reconhecidos.

O mesmo vale para países totalmente dominados por outras pessoas. No seu caso, havia uma forte determinação em fazer valer os seus direitos nacionais, muitas vezes assumindo maior protagonismo do que as questões sociais, colocando assim poderosos desafios aos socialistas.

Podemos tomar os tchecos como exemplo. Hoje, eles estão reunidos em um país independente. Na época do império austro-húngaro, os tchecos estavam ligados à sua parte austríaca e não tinham reconhecimento específico de sua nacionalidade. No entanto, os tchecos compreendiam um grande número de trabalhadores, que estavam presentes em várias cidades industriais. A princípio, o alemão era a língua franca; O tcheco também foi aprendido, mas isso foi relativamente pouco levantado como uma questão política. Mas as reivindicações linguísticas e nacionais ganharam força, a ponto de gerar conflitos com os trabalhadores de língua alemã.

Essa foi uma das razões pelas quais os austríacos (os chamados “austro-marxistas”) escreveram muito sobre questões de nacionalidade: essencialmente, eles não tiveram escolha a não ser fazê-lo e tiveram que oferecer algumas perspectivas a esses vários povos. Mas isso também definiu uma corrente mais ampla de pensamento e política, que resultou em um número impressionante de estudos e análises marxistas, estendendo-se até o início dos anos 1930.

Atendo-se à questão das nacionalidades — e simplificando enormemente — a visão deles era a seguinte: diante da realidade multinacional do Império Habsburgo, propunham uma “autonomia pessoal”, ou seja, a possibilidade de ter seus direitos “nacionais” reconhecidos pelo estado, sem que o estado seja sinônimo de qualquer nação. No contexto da Áustria-Hungria, isso significou notavelmente o reconhecimento dos direitos dos tchecos, mas sem sua secessão coletiva.

Os socialistas esperavam assim evitar a criação de muitos pequenos Estados-nação, que consideravam inviáveis. Esses princípios inspiraram alguns compromissos na época, especialmente na Morávia (parte da atual República Tcheca). A Primeira Guerra Mundial deixou de lado todos esses esforços, mas surgiram iniciativas interessantes próximas a essas ideias, como a “Federação dos Balcãs”: uma espécie de órgão supranacional que permitiria evitar a “balcanização” (palavra que entrou na linguagem cotidiana para referem-se a guerras e fragmentação). Alguns sistemas políticos mais concretos e duradouros inspiraram-se nessas ideias, como a Iugoslávia.

Às vezes, lemos que o sistema atual na Bélgica (que reconhece as especificidades dos falantes de francês e holandês) é inspirado por essas ideias. Para mim há sim algumas semelhanças de família, mas nunca devemos esquecer que os austro-marxistas eram… ​​marxistas!

A luta pelos direitos das nacionalidades tinha que estar ligada à luta social e de classes. Achavam que pelas contradições que o capitalismo gera ele seria incapaz de resolver o problema.

Source: https://jacobin.com/2023/03/national-question-karl-marx-left-imperialism-anti-colonialism-socialism

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