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Homo digitalis e digitalização: comunicação sem comunidade

Por Boris Saavedra Pérez
7 de junho de 2023

o filósofo sul-coreano Byung-Chul Han Ele se encarregou de denunciar em seus numerosos ensaios como a digitalização está causando uma alteração completa da vida humana, pois compromete, por excelência, a identidade do sujeito, devido à progressiva desencarnação do corpo que se vivencia ao interagir constantemente com o meio digital. O que depois se estende à percepção do espaço-tempo, subtraindo a possibilidade de realização de certas atividades típicas do trabalho filosófico, como a contemplação e a atenção. Por isso, “a digitalização e a informatização do mundo dividem o tempo e fazem da vida algo radicalmente passageiro” (Han, 2023, p.64).

Assim, hoje foi erguido um novo tipo de sociedade focada na produtividade e na otimização. Isto tem feito com que a hiperaceleração tenha repercussões em todas as ordens de existência, expondo o sujeito a diversas doenças patológicas que não querem ser totalmente assumidas, pois não querem renunciar aos imperativos autoimpostos do sistema neoliberal.

“Doenças neuronais como depressão, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno de personalidade limítrofe (TPB) ou síndrome de burnout (OSS) definem o cenário patológico do início deste século” (Han, 2022, p.13).

Apesar disso, o sujeito entregue ao regime capitalista, busca continuar produzindo, para alcançar a almejada felicidade que se torna um imperativo. Com isso, por meio da psicopolítica e das mídias digitais, produz-se uma coerção sistêmica que acaba por engendrar o homo digitalis, ser paradigmático que é parte integrante do reino do dataísmo, a nova religião surgida no século XXI.

“O Homo digitalis é tudo menos ninguém. Ele mantém sua identidade privada, mesmo quando se apresenta como parte do enxame. Na verdade, é anônimo, mas geralmente tem um perfil e trabalha incansavelmente para otimizá-lo. Em vez de ser ninguém, é alguém penetrante, que se expõe e pede atenção» (Han, 2014, p.28).

Agora, o homo digitalis é também a evidência visível de uma sociedade atomizada, onde reinam o narcisismo e o egoísmo. Isto implica a deterioração radicalizada do comunal ou vinculativo, resultando numa falta de solidariedade, porque o nós se rende a si mesmo. Portanto, «a comunicação digital corrói fortemente a comunidade, os nós. Destrói o espaço público e aguça o isolamento do homem. O que domina a comunicação digital não é o “amor ao próximo”, mas o narcisismo” (Han, 2014, p.75).

Assim, os diferentes meios digitais geram uma ruptura nos laços comunitários, pois reduzem a proximidade que o diálogo face a face gera. Além disso, a hiperinformação que inunda a Internet é muitas vezes desprovida de qualquer verdade, o que acaba por causar confusão e paranóia. Por isso, Han considera que as informações na rede acabam sendo mais deformativas do que informativas. Exemplo disso ocorre justamente com as populares fake news ou teorias da conspiração, que contam diversas histórias que beiram o absurdo, mas que, mesmo assim, acabam sendo verossímeis e difundidas por alguns internautas, substituindo os fatos reais ocorridos.

Da mesma forma, o narcisismo do homem digital é um sinal de uma sociedade superexposta, que responde ao imperativo da transparência, portanto, “a poderosa exigência de transparência indica precisamente que a base moral da sociedade tornou-se frágil, que os valores morais, como a honestidade e a lealdade, perdem cada vez mais o seu significado» (Han, 2013, p.92). Neste sentido, um dos sintomas que passa a simbolizar a evidente crise moral que se sofre é a pornografia do sujeito, que responde à lógica do consumismo, traduzindo-se num exibicionismo insubstancial que tenta fragmentar o corpo, reificando-o para cumprir com hedonismo, latente. Isso implica que:

«A pornografia pode ser generalizada declarando-a um dispositivo neoliberal. Sob a pressão de produzir tudo é exposto, tornado visível, despido e exposto. Tudo está à mercê da luz inapelável da transparência. A comunicação torna-se pornográfica quando se torna transparente, quando é polida e transformada numa troca acelerada de informações” (Han, 2020, p.114).

Consequentemente, por ser de natureza imediata e aditiva, a comunicação digital tende a ser despersonalizada, devido à sua conotação expansiva, o que dificulta o diálogo, pois falta a presença real do outro. Assim, a sociedade digital perdeu a capacidade de escuta, o que é evidenciado pela escassez de encontros reais, que foram substituídos por conexões online. Com efeito, «a comunicação digital é muito pobre em termos de olhar e voz. Links e interconexões são estabelecidos sem visão ou voz. Na medida em que diferem das relações e dos encontros, que exigem a voz e o olhar» (Han, 2017, p.92).

Por isso, hoje estamos numa comunicação sem comunidade, onde reinam a fluidez e o ruído perpétuo, porque se tem medo do silêncio, que é típico da vida contemplativa, dos encontros religiosos e das atividades reflexivas.

Então, é necessário recuperar a presença do outro na sua corporeidade, na sua individualidade, dando-lhe atenção através do olhar e da fala que se manifesta na busca de uma intimidade mútua, integradora e relacional.

Em suma, é necessária a cessação das atividades para redescobrir o sentido de comunidade que está subjugado ao ritmo vertiginoso da digitalização, porque, caso contrário, continuaremos a afastar-nos cada vez mais uns dos outros.

Referências

Han, BC. (2013). A sociedade da transparência (1ª ed.). Pastor.

Han, BC. (2014). No enxame (1ª ed.). Pastor.

Han, BC. (2017). A expulsão do diferente, percepção e comunicação na sociedade atual (1ª ed.). Pastor.

Han, BC. (2020). O desaparecimento dos rituais, uma topologia do presente (1ª ed.). Pastor.

Han, BC. (2022). A sociedade da fadiga (2ª ed.). Pastor.

Han, BC. (2023). Vida contemplativa, em louvor à inatividade (1ª ed.). Touro.

fonte: https://dialektika.org/2023/06/07/el-homo-digitalis-y-la-digitalizacion-una-comunicacion-sin-comunidad/

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também editado em https://redlatinasinfronteras.wordpress.com/2023/09/02/el-homo-digitalis-y-la-digitalizacion-una-comunicacion-sin-comunidad/

Fonte: https://argentina.indymedia.org/2023/09/02/el-homo-digitalis-y-la-digitalizacion-una-comunicacion-sin-comunidad/

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