Pará, Brasil – Na região do Pará, mais de 800 famílias indígenas podem ser forçadas a se mudar enquanto uma mineradora canadense se prepara para construir uma enorme mina de ouro a céu aberto, alertam ativistas.

O projeto cobriria mais de 2.400 hectares (5.930 acres) em uma das áreas mais ricas em ouro da Amazônia. A região abriga os povos Juruna, Arara, Xipaya e Xikrin, além de muitas outras comunidades ribeirinhas que cultivam a agricultura familiar e a pesca nas margens do trecho da Volta Grande do rio Xingu.

“O direito garantido ao nosso território está em risco”, disse Lorena Curuaia, uma liderança do povo indígena Curuaia, à Al Jazeera. “Podemos perder territórios nos quais vivemos por milhares de anos.”

A mineradora canadense Belo Sun diz que seu Projeto de Ouro Volta Grande extrairia aproximadamente seis toneladas de ouro por ano durante 17 anos. Incluiria duas minas a céu aberto, uma barragem de rejeitos para armazenar resíduos químicos, uma instalação de armazenamento de explosivos, um aterro sanitário, uma estação de gerenciamento de combustível, alojamentos e estradas.

Moradores temem que um novo projeto de mineração devaste o rio Xingu [Courtesy of Cicero Pedrosa Neto/Amazon Watch]

Embora o projeto tenha recebido críticas de ativistas e moradores, representantes do Ministério de Minas e Energia o endossaram. A Belo Sun obteve uma licença de construção em 2017, mas foi rapidamente suspensa por um tribunal brasileiro sob a alegação de que uma avaliação de impacto socioambiental adequada não havia sido concluída.

Embora a empresa afirme que realizou consultas adequadas com as comunidades afetadas, a licença foi rejeitada novamente no ano passado, aguardando uma reavaliação, lançando incertezas sobre o futuro do projeto.

O rio Xingu, que percorre quase 2.000 km (1.240 milhas) através do centro do Brasil em direção ao norte até a Amazônia, é uma parte vital de um complexo ecossistema que sustenta a maior floresta tropical do mundo e 25.000 povos indígenas de 18 grupos étnicos distintos.

De acordo com um estudo acadêmico recente, as operações de mineração podem prejudicar a biodiversidade única do Xingu, podendo causar danos catastróficos à bacia hidrográfica. Ambientalistas têm alertado sobre os possíveis perigos e efeitos sobre a vida selvagem, como as diversas espécies de bagres nas corredeiras do Xingu.

Questionado sobre as possíveis ameaças do projeto Belo Sun a essa região, um porta-voz do Ministério da Mineração do Brasil disse à Al Jazeera que seu mandato não incluía a avaliação de riscos ambientais e socioambientais.

Uma vista aérea de uma pequena cidade na floresta amazônica.
Cerca de 40 indígenas do povo Juruna da comunidade São Francisco vivem encravados entre a hidrelétrica de Belo Monte e o projeto Volta Grande [Courtesy of Cicero Pedrosa Neto/Amazon Watch]

Preocupações ambientais

Os críticos afirmam que as operações de mineração gerariam toneladas de resíduos tóxicos que seriam armazenados em uma barragem de rejeitos, potencialmente inundando a área em caso de ruptura.

Em 2015, uma barragem de rejeitos em Mariana estourou, despejando dezenas de milhões de metros cúbicos de lama e lodo tóxico no rio Doce. O desastre se espalhou por 650 km (400 milhas) e matou 19 pessoas.

Steven Emerman, um acadêmico com experiência em hidrologia e geofísica, estudou os impactos ambientais da barragem de rejeitos de Volta Grande proposta em 2020 e descobriu que, apesar da presença de falhas geológicas no local, não havia avaliação da resposta potencial da barragem a terremotos.

A barragem de rejeitos é de “alto risco”, disse ele à Al Jazeera, porque “no cenário mais provável de falha da barragem, o escoamento inicial de rejeitos cobriria 41 km [25 miles] ao longo do Rio Xingu, com significativo impacto na Terra Indígena Arara da Volta Grande do Xingu”.

Nesta foto de arquivo de 8 de novembro de 2015, uma equipe de resgate procura vítimas ao lado da carcaça de uma vaca morta, no local da cidade de Bento Rodrigues, após o rompimento de duas barragens, no estado de Minas Gerais, Brasil.  A Samarco, uma joint venture das gigantes da mineração Vale e BHP Billiton, envolvida no pior desastre ambiental do Brasil, chegou a um acordo na quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016, com o governo local e o Ministério Público para contratar um auditor independente para monitorar seu trabalho de reparo.
O colapso de uma barragem de rejeitos de mineração em 2015 provocou uma onda de lama na cidade de Bento Rodrigues, no estado de Minas Gerais, Brasil [File: Felipe Dana/AP Photo]

Um porta-voz da Belo Sun disse à Al Jazeera que tais temores eram “nada mais do que especulação e terrorismo alarmista”.

Em comunicado enviado por e-mail, o porta-voz disse que a metodologia da empresa era “completamente diferente dos modelos de construção usados ​​nos projetos obsoletos das antigas barragens de Mariana e Brumadinho”, referindo-se a outra barragem que se rompeu em 2019 e matou 270 pessoas.

Enquanto isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) divulgou recentemente um relatório (PDF) acusando a Belo Sun de violar os direitos das comunidades que vivem no trecho da Volta Grande do rio Xingu.

O grupo, que representa tribos indígenas no país, disse que os moradores já sofrem com as consequências da hidrelétrica de Belo Monte, que reduziu drasticamente o nível das águas do rio Xingu e “provocou uma crise humanitária” na região.

“[APIB] repudia veementemente o projeto de mineração de Belo Sun, pois beneficiará um pequeno grupo de investidores rentistas do mercado de capitais à custa do ecogenocídio, destruindo a floresta amazônica e condenando à miséria os povos indígenas e outras comunidades tradicionais da região, impossibilitando a manutenção modos de vida tradicionais e violando ao mesmo tempo seus direitos à autonomia, autodeterminação, soberania alimentar, saúde, terra, moradia e território”, observou o relatório.

Uma vista aérea da barragem de Belo Monte atravessando um rio na Amazônia brasileira.
Defensores dizem que a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, Brasil, já provocou uma ‘crise humanitária’ na região [File: Bruno Kelly/Reuters]

ameaça existencial

O porta-voz da Belo Sun disse que a empresa “sempre agiu em total conformidade com as leis e regulamentos brasileiros em todos os aspectos de seus negócios, incluindo estudos e programas ambientais de licenciamento e aquisição de terras”. Todas as comunidades indígenas que poderiam ser afetadas pelo projeto foram consultadas, acrescentou o porta-voz.

Os críticos, no entanto, sustentaram que esse processo foi insuficiente.

“O processo de consulta não foi feito adequadamente, como deveria ter sido conduzido por funcionários do estado e de acordo com as regras de tais comunidades”, disse Gabriela Sarmet, assessora de campanha do Amazon Watch no Brasil, à Al Jazeera. “Em vez disso, foi conduzido pela própria mineradora durante a pandemia, em meio ao pânico e à crise humanitária.”

Em 2021, apesar da suspensão da licença de construção da empresa, um acordo com a agência federal de reforma agrária do Brasil concedeu à Belo Sun 2.428 hectares (6.000 acres) de terra que se sobrepõe a dois assentamentos, Ressaca e Gleba Ituna, para “fins de exploração de mineração”.

“A aquisição de terras pela empresa dentro do assentamento de reforma agrária Ressaca, potencialmente levando ao despejo de famílias locais, constitui uma violação do direito à terra, moradia e meios de subsistência”, disse Sarmet.

Vista do trecho do rio Xingu sendo inundado pela construção da hidrelétrica de Belo Monte, planejada para ser a terceira maior do mundo, em Pimental, próximo a Altamira, no Pará, em 23 de novembro de 2013. A barragem do rio Xingu em a floresta amazônica é uma das grandes polêmicas no Brasil, colocando ambientalistas e índios contra o governo e as empresas envolvidas no projeto.  Foto tirada em 23 de novembro de 2013.
Trechos do rio Xingu foram previamente inundados para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no estado do Pará, Brasil [File: Paulo Santos/Reuters]

De acordo com Amazon Watch e APIB, os moradores foram informados pelo órgão federal de reforma agrária que teriam que se deslocar centenas de quilômetros de suas casas para novos assentamentos em Mato Grosso, mas o órgão diz o contrário, observando em nota pública: “Há não haverá remoção de famílias, pois não há assentados morando na área diretamente afetada pelo projeto.”

A Belo Sun confirmou que “doou” terras no Mato Grosso ao governo brasileiro, mas disse que essas terras eram para um projeto de assentamento alheio que não seria “destino de famílias assentadas próximas ao empreendimento”.

Curuaia, porém, temia que a continuidade do projeto acabasse por resultar no apagamento de sua comunidade: “Se o projeto não for interrompido, os sítios arqueológicos da Volta Grande do Xingu não existirão mais, as populações sofrerão com a perda de alimentos e, sobretudo, toda a fonte vital [of] água”, disse ela.

“De todas as formas, afetará diretamente a vida – não apenas dos povos indígenas, mas de todos os que vivem do rio.”

Fonte: www.aljazeera.com

Deixe uma resposta